quarta-feira, 27 de abril de 2011

Tribunal nega habeas corpus a macaco

Não cabe Habeas Corpus para animais, entende TJ-RJ

Habeas Corpus só pode ser concedido em benefício de seres humanos, e não de animais. Esse foi o entendimento, depois de muito debate, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O colegiado acompanhou o voto do relator, desembargador José Muiños Piñeiro Filho, e não conheceu do HC em favor do chimpanzé Jimmy. Em seu voto, o relator destacou que os animais não estão inseridos na situação prevista na Constituição, que estabelece que a concessão de HC só é válida se alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção.

José Muiños Piñeiro Filho afirmou que hoje, os animais podem ser beneficiados por meio de outras medidas, mas não do remédio constitucional. Os desembargadores também decidiram encaminhar, como direito de petição, os autos do processo para conhecimento da chefia do Poder Executivo de Niterói, das chefias dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, do Ibama e das Comissões do Meio Ambiente do Senado, da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa do Rio. A ideia, explicou Muiños, é estimular o debate.

Evolução
No julgamento, foi discutido se o fato de o chimpanzé ter 99,4% do DNA idêntico ao do ser humano possibilitaria ao animal se beneficiar das mesmas garantias constitucionais do homem. Para Muiños, a lei determina que o HC somente é cabível para seres humanos. “Ainda que eu me sinta sensibilizado por todos os argumentos dos impetrantes, eu tenho que me limitar ao que diz o texto constitucional”, ressaltou.
O relator destacou que pesquisou muito sobre o assunto e que, apesar de estudos concluírem que o chimpanzé é o parente mais próximo do homem, o animal não pode ser considerado como pessoa, ou seja, um sujeito de direito. “O artigo 5º da Constituição Federal só se refere a pessoa humana. Será que os animais não teriam qualquer proteção jurídica? Por isso, acho que a hipótese teria que vir em uma Ação Civil Pública, por exemplo, porque aí sim se poderia fazer um juízo de cognição, se poderia até questionar eventualmente a inconstitucionalidade da legislação”, observou o desembargador.

Muiños também citou em seu voto a evolução e a história. Lembrou que, no Brasil, mulheres não tinham direitos políticos até 1932, porém, hoje, uma mulher preside o país. Falou ainda da Suprema Corte dos Estados Unidos, que já não conheceu uma ação que discutia escravidão, porque, na época, em 1873, o escravo era considerado um bem. Menos de 140 anos depois desse fato, o país elegeu seu primeiro presidente negro.

Tendo em conta a evolução social, o desembargador acredita ser possível que, no futuro, os animais também possam ter direito às mesmas garantias constitucionais do homem. “Mas com as leis que temos, hoje, não é possível conceder HC ao chimpanzé”.
Ao acompanhar o voto do relator, o desembargador José Augusto de Araújo Neto destacou que não se pode conceder o HC ao Jimmy porque seria uma forma do julgador driblar a lei. “Essa não é a missão do juiz. Dessa forma, ele se torna um autoritário, um ditador de regras”.

O caso
A ação possui mais de 30 impetrantes, entre eles organizações não-governamentais (ONGs), entidades protetoras de animais e pessoas físicas. Eles pedem a transferência do chimpanzé do zoológico de Niterói para um santuário de primatas no estado de São Paulo, sob a alegação de que o animal precisa de espaço e da companhia de outros indivíduos de sua espécie. O grupo afirma que Jimmy vive isolado há anos em uma jaula no zoológico. A Fundação Jardim Zoológico de Niterói (Zoonit) afirma, no entanto, que Jimmy é bem tratado e que está em uma jaula que atende plenamente às suas necessidades.

Precedentes
Em 2007, a 4ª Turma do Tribunal Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo, concedeu HC em favor dos chimpanzés Lili e Megh. O colegiado mandou soltar os animais do cativeiro para que eles fossem devolvidos à natureza. Rubens Forte, dono e depositário fiel dos animais, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, afirmando que os animais têm o constitucional direito à vida, já que são geneticamente muito parecidos com os humanos. O caso está nas mãos do ministro Herman Benjamin, que pediu vista do pedido de HC.

Dois anos antes, a 9ª Vara Criminal de Salvador já havia negado Habeas Corpus que pedia a transferência da chimpanzé chamada Suíça, que vivia em uma jaula no zoológico de Salvador, para uma reserva ecológica localizada em Sorocaba, interior de São Paulo.

Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RJ.
Processo 0002637-70.2010.8.19.0000
Fonte: Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/

Resumo 13 - Personalidade Jurídica do Estado

II – Do Estado (continuação)

4. Personalidade jurídica do Estado
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“À multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou melhor (para falar em termos mais reverentes), daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa” (Thomas Hobbes).


Pessoa. A palavra pessoa vem do latim persona, nome da máscara utilizada pelos atores do teatro romano, a qual servia para caracterizar os personagens e, ao mesmo tempo, dar maior ressonância à voz (per sonare: soar por, através de). Pessoa, na linguagem atual, é a dimensão social do ser humano, daí derivando a personalidade.

Personalidade jurídica. Para o Direito, pessoa é o sujeito ou titular de direitos e obrigações. A personalidade jurídica é a capacidade genérica (abstrata) de ser sujeito de direitos e obrigações. Diante disso, questiona-se: todos os seres humanos são pessoas? E os fetos? Coisas e animais são pessoas? Empresas são pessoas? O Estado é uma pessoa?

Seres Humanos. Atualmente, pelo menos em sistemas jurídicos minimamente civilizados, todos os seres humanos são considerados pessoas perante o Direito, ou seja, capazes de direitos e obrigações. Nem sempre foi assim: na antiguidade greco-romana, só os cidadãos eram pessoas, o que excluía mulheres, crianças, escravos e estrangeiros. Onde há escravidão os escravos não são considerados pessoas e sim coisas. Quanto aos fetos, discute-se se são ou não pessoas. Segundo o Código Civil (art. 2º), a personalidade civil começa com o nascimento, mas a lei protege os direitos do nascituro desde a concepção, ou seja, o feto tem direitos, embora não tenha personalidade “civil”.

Coisas e animais. Na Idade Média chegou-se a processar objetos e animais, como vassouras e gatos, como supostos cúmplices de bruxaria, o que, na linguagem atual, lhes conferia personalidade. Atualmente, discute-se se a proteção aos animais e às plantas decorre de direitos próprios destes (Herman Benjamin) ou de um imperativo ético (Miguel Reale).

O caso Harry Berger. O alemão Harry Berger era um agente do Comintern que veio ao Brasil para participar da tentativa de revolução comunista em 1935. Preso, foi barbaramente torturado pela polícia de Getúlio Vargas. A ditadura getulista havia suspendido o habeas corpus, que serve para garantir a liberdade e a integridade física de pessoas presas. Heráclito Sobral Pinto, então um jovem advogado, à falta de uma lei que pudesse proteger o preso, utilizou, em favor de Berger, a lei de proteção aos animais, assinada pelo próprio Vargas e que proibia a crueldade contra animais. O ditador, ao cercear os direitos básicos das pessoas, esquecera-se de que seres humanos também são animais...

O caso do chimpanzé Jimmy. Mais recentemente, houve o caso do chimpanzé Jimmy, preso numa pequena jaula no zoológico de Niterói. Entidades ambientalistas impetraram habeas corpus em favor do animal, a fim de que fosse transferido para um santuário de primatas em Sorocaba. Sob o argumento de que o habeas corpus só pode ser utilizado para garantir direitos de pessoas, e que o chimpanzé, embora tenha 99,4% de genes idênticos aos humanos, não é pessoa, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou o benefício ao animal.

Pessoa Jurídica. O Direito reconhece a personalidade jurídica de entidades formadas por outras pessoas, dotadas de existência e vontade próprias, que não se confundem com seus membros, como empresas, clubes, associações e o Estado. O Estado, portanto, é uma pessoa jurídica, pois é formado por outras pessoas e é capaz de direitos e obrigações.

Histórico. Deve-se ao contratualismo a primeira concepção do Estado como um ente autônomo, com vontade própria, diferenciado de seus membros. Essa concepção, porém, era puramente política. As teorias para qualificar juridicamente o Estado surgem no século XIX, com publicistas alemães como Savigny, Gierke e Jellinek. Deve-se a eles a qualificação do Estado como pessoa jurídica, com importantes repercussões no Direito Público.

Teorias sobre a personalidade jurídica do Estado. A partir do século XIX, surgiram várias teorias para explicar a personalidade jurídica do Estado:

ficcionismo: para essa teoria, pessoas, na realidade, são apenas os seres humanos dotados de consciência e vontade. Segundo Savigny, a pessoa jurídica é uma ficção criada pelo Direito por motivos de ordem prática (ficcio juris), a fim de possibilitar que certas entidades sejam sujeitos de direitos e obrigações legais.
realismo: para os realistas, o Estado tem existência real, alguns chegando ao exagero de afirmar que essa realidade é material (organicismo biológico). Já segundo os adeptos do organicismo ético como Gierke, quando as pessoas se reúnem para realizar uma finalidade, surge um novo ente real, com vida e vontade próprias, independente de seus membros, mas que não tem existência material, e sim moral (espiritual, ideal).
institucionalismo: para o autor francês Hauriou, a pessoa jurídica ou instituição é uma unidade de fim. Hauriou utiliza-se da filosofia tomista, segundo a qual existem unidades físicas (ex.: um bloco de metal) e unidades de fim (partes que se unem para um objetivo comum, como um relógio). Unidades de fim podem ser formadas tanto por objetos materiais em torno de ideais, pois as emoções e as idéias também têm existência real. A instituição ou pessoa jurídica é uma união de pessoas em torno de uma idéia e, assim, tem existência real.

Teoria de Jellinek. Jellinek simplifica a questão, afirmando que sujeito, em sentido jurídico, não é uma algo material, palpável, mas simplesmente uma capacidade criada pela ordem jurídica. A ordem jurídica pode atribuir essa capacidade a seres humanos e a instituições. Assim, a personalidade jurídica do Estado é algo real, e não fictício, simplesmente porque o Direito assim o determina.

Oposição. Em oposição à idéia de Estado como pessoa jurídica, Seydel afirma que o Estado é apenas terra e gente dominadas por uma vontade superior. Para o anarquista de cátedra Duguit, o Estado é apenas uma relação de fato e, portanto, não poderia se transformar em pessoa.

Importância. O reconhecimento da personalidade jurídica do Estado foi uma conquista importantíssima do Direito Público. Dela resulta:
• a capacidade do Estado para ser sujeito de direitos e obrigações, tanto internamente como na ordem internacional;
• a vontade do Estado não se confunde com a dos seus representantes (órgãos), cujos atos lhe são imputados;
• limitação jurídica do poder;
• conciliação do jurídico com o político (vontade política regulada e limitada juridicamente).

Bibliografia
Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo III, itens 60 a 63.
Leituras complementares: Miguel Reale, Lições preliminares de direito, Cap. XVIII. Georg Jellinek, Teoría General del Estado, L. II, Cap. 6.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Resumo 12 - Elementos do Estado - Finalidade

II – Do Estado (continuação)

3. Elementos do Estado (continuação)

3.4. Finalidade


“Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas: que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis e que entre estes direitos estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.
Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados.”

(Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, 1776)



Introdução. Como toda sociedade, o Estado não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para a realização de certos objetivos. Por isso, a finalidade, ao lado de povo, território e soberania, é também considerada como um elemento essencial do Estado, ou seja, não existe Estado sem finalidade. É o chamado elemento teleológico do Estado (télos = finalidade).

Importância. Finalidade diz respeito aos objetivos que o Estado pretende alcançar e aos meios que ele emprega para isso. Relaciona-se com as funções do Estado, ou seja, com o que o Estado deve ou pode fazer para atingir suas finalidades. Para Villeneuve, a legitimidade da atuação do Estado depende da adequação dos meios à finalidade. E para Jellinek, só partindo da questão dos fins acerca do valor ou do erro da política de um Estado.

Desvio da finalidade. A falta de consciência da real finalidade do Estado leva à superexaltação de aspectos particulares, como a economia (ênfase exagerada no desenvolvimento econômico, como na antiga URSS e na China Atual) e a ordem pública (Estado policial, p.ex., a ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985) em detrimento do bem comum, que envolve esses fatores e muito mais.

Negação da finalidade. Nem todos os autores aceitam a finalidade como elemento do Estado. As teorias organicistas, influenciadas pelo determinismo, pelo materialismo e pelo cientificismo do séc. XIX, negam que Estado possa ter uma finalidade, sustentando que tudo é determinado por fatores estranhos a ele ou pelo próprio funcionamento natural do organismo estatal. Kelsen, por sua vez, a vê como uma questão política, que envolve juízos de valor, portanto estranha ao Direito, que deve se resumir à norma. Portanto, a finalidade não pode compor a essência do Estado, que para ele é o mesmo que a ordem jurídica.

Classificações. Entre os que aceitam a finalidade como elemento essencial do Estado, há diversas visões sobre quais são ou quais deveriam ser os fins buscados pelo Estado. Tais visões são representadas pelas seguintes classificações:

1) De caráter geral

a) fins objetivos: são fins próprios do Estado. Subdividem-se em: fins objetivos universais (de todos os Estados em todos os tempos, p. ex., a eudaimonia – felicidade, bem-estar, para Aristóteles) e fins objetivos particulares (peculiares de cada Estado, p. ex., a “missão histórica” reivindicada pelos EUA de levar a democracia liberal para o mundo)
b) fins subjetivos: alguns defendem que os fins do Estado não são próprios dele, mas a síntese das aspirações dos indivíduos que o compõem

2) Conforme o relacionamento do Estado com os indivíduos e a sociedade

a) Fins expansivos: Pregam a expansão das atividades do Estado para abarcar finalidades próprias dos indivíduos e da sociedade civil, como religião, moral, comércio e indústria etc. Tais fins podem ser de tipo utilitário ou ético. Fins expansivos utilitários alegam buscar o maior bem para o maior número de pessoas, p. ex., os totalitarismos socialista e fascista. Fins utilitários éticos (o Estado define o comportamento moral da sociedade, p. ex., as teocracias islâmicas). Ambos levam a uma expansão excessiva do poder do Estado, em detrimento da liberdade das pessoas (totalitarismo).
b) Fins limitados: Pretendem limitar a atuação do Estado ao mínimo necessário. Nesse sentido, há três linhas de pensamento muito parecidas: o Estado-polícia (État-gendarme: a única função do Estado é a manutenção da segurança pública, como um simples vigia; o restante deve ser deixado aos particulares – não confundir com Estado policial, que superexalta a ordem pública); o Estado Liberal (liberalismo político e econômico; o Estado deve se limitar a garantir a liberdade: “laissez faire, laissez passer...”); e o Estado de Direito (o Estado limita-se à aplicação do direito positivo, sem preocupação com valores como ética e justiça; é o direito visando à manutenção do status quo e não como instrumento de transformação social).
c) Fins relativos: Corrente baseada no Solidarismo, adotada por Jellinek, Groppali e Dallari, entre outros, colocando a fraternidade ao lado da liberdade e da igualdade. Segundo essa teoria, além das funções tradicionais (segurança, justiça etc.), o Estado deve agir para manter, ordenar e auxiliar as manifestações da solidariedade social, que é natural nos seres humanos. O Estado, portanto, deve proporcionar, ordenar ou estimular, por exemplo, condições dignas de trabalho, previdência e assistência social, saúde, educação, cultura, meio ambiente etc., a fim de propiciar a todos os cidadãos uma vida digna e oportunidades iguais de progresso e desenvolvimento pessoal. Segundo Jellinek, a solidariedade, como uma das finalidades do Estado, deve ser entre os membros de um mesmo Estado, entre a humanidade como um todo e entre as diversas gerações.

Princípios do Solidarismo: a) dignidade essencial da pessoa humana; b) primazia do bem comum sobre interesses privados; c) função social da propriedade; d) primazia do trabalho sobre o capital; e) subsidiariedade das instâncias superiores de poder em relação às inferiores (descentralização).


3) Quanto à natureza:

a) fins exclusivos (fins essenciais, próprios do Estado e vedados à iniciativa privada, como, p. ex., defesa, segurança pública, justiça, emissão de moeda etc.)
b) fins concorrentes (complementares à iniciativa privada, como, p. ex., indústria, transportes, assistência social etc.)

Observação: a definição do que são fins exclusivos e concorrentes depende, em alguns casos, da orientação ideológica. Por exemplo, para a direita liberal, saúde, educação, previdência social, comunicações etc. são fins concorrentes, enquanto que para a esquerda são exclusivos. A doutrina solidarista (fins relativos) evita os exageros das duas posições.

Síntese. Segundo Dallari, há um fim geral, que é o bem comum (conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana). O bem comum é definido em relação a determinado povo, situado num determinado território, ou seja, conforme as peculiaridades de cada povo e de cada Estado. Normalmente, a finalidade do Estado consta da Constituição de cada Estado (no Brasil, no Preâmbulo e no art. 3º. Constituição de 1988).

Para discussão. O que você pensa sobre as funções do Estado?
• É função do Estado produzir moralidade, cultura e ciência?
• O Estado deve produzir bens como petróleo ou navios?
• O Estado deve ou não regular a Economia? para isso é necessário que ele mantenha bancos comerciais?

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 48 a 52.
Leituras complementares: Georg Jellinek, Teoría General del Estado, L II, Cap. 8º. Alessandro Groppali, Doutrina do Estado, Segunda Parte, Cap. I, item 8. Esperidião Amin, “Solidarismo: antítese do horror econômico brasileiro”, Revista ADUSP, Dez./1997.

domingo, 10 de abril de 2011

Uma frase lapidar de Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo, cada vez mais indispensável:

"Faz-se oposição no país quase pedindo desculpas, como se não fosse ela a legitimar a democracia, já que governo há em todas as ditaduras; como se o regime de liberdades não estivesse justamente na possibilidade de dizer “não”, já que as tiranias também permitem que se diga “sim”."
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Resumo 11 - Elementos do Estado - Soberania

II – Do Estado (continuação)

3. Elementos do Estado Moderno (continuação)

3.3. Poder Soberano



“O direito e o poder são as duas faces de uma mesma moeda: só o poder pode criar o direito e só o direito pode limitar o poder” (Norberto Bobbio)


Introdução. Como toda sociedade, o Estado tem como um dos seus elementos essenciais o poder. Porém, o poder do Estado tem características exclusivas que o diferem do poder das demais sociedades, sendo a principal delas a soberania. Por isso, segundo a maioria dos autores, poder soberano, ou simplesmente soberania, é elemento essencial do Estado, não havendo Estado sem poder soberano.

Soberania. Soberania é um dos conceitos mais importantes e polêmicos da Ciência Política e da Teoria do Estado. A palavra vem do latim super omnia – superanus (superior a todos). Para a maioria dos autores, ela é uma característica essencial e exclusiva do poder do Estado, por isso trataremos de poder e soberania no mesmo capítulo.

O Poder do Estado. Segundo Burdeau, o poder do Estado é a força da idéia representada pelos objetivos fundamentais de uma sociedade (bem comum). Para esse autor, os homens inventaram o Estado para não obedeceram aos homens. O Estado é uma forma de poder que enobrece a obediência, pois a relação entre governantes e governados deixa de ser baseada na força ou na vontade arbitrária do governante, fundamentando-se no ideal do bem comum. É um poder abstrato, pois independe das pessoas que o exercem transitoriamente.

Espécies de Poderes. Todas as sociedades são dotadas de poder, mas o poder do Estado tem características próprias e exclusivas. Segundo Jellinek, há dois tipos poderes: dominante (do Estado) e não-dominante (outras sociedades). O poder dominante dispõe de força legal para obrigar, com seus próprios meios, à obediência de suas ordens (coação), o que não ocorre com os poderes não-dominantes. Se uma sociedade particular pode usar a força, como, por exemplo, para expulsar alguém de um recinto, ela o faz porque está autorizada pela lei do Estado. Um exemplo de poder não-dominante é a Igreja, que pode ditar regras a seus adeptos, mas não pode obrigá-los, pela força, a cumpri-las. Isso não ocorria na Idade Média, em que a Igreja e os senhores feudais tinham poder dominante sobre seus súditos. E em Roma, o pater famílias tinha poder dominante sobre a família e os agregados.

Poder Dominante. O poder dominante possui as seguintes características: é originário, porque não é criado por nenhum outro poder e dá sustentação a todos os demais poderes; é irresistível, porque dotado de coação legal (regulada e limitada pelo Direito), da qual ninguém pode se subtrair. O cidadão de um Estado não pode, por vontade própria, deixar de sê-lo, a menos que se submeta a outro Estado.

A Soberania. Segundo a maioria dos autores, a soberania é uma característica essencial do poder do Estado de tipo moderno. Só o poder do Estado é soberano e não há Estado sem poder soberano. É a qualidade que torna o poder do Estado supremo internamente e igual e independente em relação aos demais Estados na esfera internacional.

Histórico. O conceito de soberania não era conhecido na Antiguidade nem na Idade Média, pois, segundo Jellinek, faltava a noção da oposição entre o poder do Estado e os demais poderes, tanto interna como externamente. A noção de soberania surge com o Estado Moderno, como conseqüência da afirmação do poder exclusivo e supremo do monarca sobre o território e o povo do Estado, em oposição aos senhores feudais, à Igreja, ao imperador e às cidades livres, ao mesmo tempo em que era reconhecido igual poder aos demais Estados.

A teoria de Jean Bodin (1530-1596). O primeiro teórico a tratar do assunto foi Jean Bodin, em sua obra Os seis livros da República (1576). Baseando-se na realidade francesa da época, para Bodin a soberania é o poder absoluto e perpétuo numa República (para ele, sinônimo de Estado). Esse poder pertence ao rei, que é legibus solutus (imune à lei) e superiorem non recognoscens (não reconhece poderes superiores). As únicas limitações ao poder soberano seriam as leis divinas e naturais, as quais ninguém pode contrariar. É um poder perpétuo, no sentido de que não é exercido por prazo certo, sendo transmitido hereditariamente. Essa teoria serviu ao absolutismo monárquico, em que o rei era o soberano e concentrava em suas mãos os poderes legislativo, executivo e judiciário.

A teoria de Rousseau. Outro autor importante a tratar da soberania foi Rousseau (1712-1778). Para ele, a soberania pertence ao povo e não ao rei, e deve expressar a vontade geral. Ela é una (apenas uma soberania vigora num Estado), indivisível (não se divide, admitindo-se apenas a divisão de funções), inalienável (não pode ser delegada pelo povo), imprescritível (não tem prazo de duração). É também absoluta (suprema), mas não deve impor obrigações inúteis aos cidadãos e tratar a todos com igualdade.

Fundamento da soberania. A concepção de soberania evoluiu de uma base exclusivamente política (força, vontade) para uma justificativa jurídica (baseada no Direito), culminando com uma síntese dos dois fundamentos, sendo hoje considerada pela maioria dos estudiosos como um conceito ao mesmo tempo político e jurídico.

Concepção Política de Soberania. Segundo uma concepção puramente política, poder é força, dominação, importando que produza resultados (eficácia). Para Jhering, a força produz o Direito, e, segundo Weber, soberano é aquele que possui o monopólio do uso legítimo da força. Segundo essa concepção, soberania é o poder incontrastável de mando, ou seja, o poder de querer coercitivamente e de fixar competências (preocupação com a plena eficácia do poder).

Concepção jurídica de soberania. Segundo uma concepção puramente jurídica (normativista, positivista), o poder é criado pelo Direito. O grande jurista austríaco Hans Kelsen (1881-1973), na sua Teoria Pura do Direito, sustenta que a ordem jurídica (direito posto, positivo) é escalonada como uma pirâmide em que as normas superiores são o fundamento de validade das inferiores. O ápice dessa pirâmide é a norma suprema (Constituição). É ela que fornece fundamento de validade às normas inferiores, como leis e decretos, até as sentenças judiciais e os contratos, que são normas particulares (relativas a casos concretos). O fundamento de validade desse sistema seria uma norma hipotética, que não é posta, mas simplesmente suposta, ou seja, é um pressuposto lógico para a construção do sistema e inexistente no campo dos fatos, representado pela obrigação de obedecer a tudo que está na Constituição. Este seria o ponto fraco da doutrina de Kelsen, pois o fundamento da soberania fica sem explicação fática. Portanto, segundo a concepção jurídica, soberania é o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, ou seja, poder soberano é aquele que dá a última palavra sobre qual é a norma válida num Estado (preocupação com a eficácia do Direito).

Concepção culturalista de soberania. Observando que tanto a concepção política como a jurídica de soberania são parciais e não explicam satisfatoriamente o fenômeno, o grande jurista brasileiro Miguel Reale (1910-2006), faz uma síntese das duas concepções, expondo a sua concepção culturalista de soberania. Segundo a Teoria Tridimensional do Direito, de autoria de Reale, o Estado, assim como o Direito, é ao mesmo tempo um fenômeno social (fato), político (valor) e jurídico (norma). O poder é substancialmente político, mas não há organização social sem direito (ubi societas, ibi jus; ubi jus, ibi societas). O que há são graus de juridicidade: a presença do Direito vai de um mínimo (a força ordenadamente exercida) até um máximo (força empregada exclusivamente como um meio de realização do Direito), conforme o grau de evolução cultural de uma sociedade. Segundo essa concepção culturalista ou jurídico-política de soberania, a sociedade, para organizar-se, necessita do poder, mas esse poder é sempre exercido segundo uma norma, e, à medida que a sociedade evolui, o poder vai sendo cada vez mais exercido conforme os valores sociais, expressados pelo Direito. Soberania, assim, na visão de Reale, é a capacidade de um povo de organizar-se juridicamente e de fazer valer, dentro de seu território, a universalidade de suas decisões, nos limites dos fins éticos da convivência humana.

Justificação da soberania. Da mesma forma que o poder social em geral, a soberania possui duas linhas doutrinárias de justificação: a doutrina teocrática, isto é, o poder vem de Deus, sendo transmitido ao monarca ou ao povo; e a doutrina democrática, pela qual a fonte do poder é o próprio povo, sendo por ele exercido diretamente ou por meio de representantes (doutrina predominante atualmente).

Titular da Soberania. Para Bodin, o titular da soberania era o monarca (absolutismo). Para Rousseau, é o povo (democracia). Para o Abade de Sieyés e outros teóricos da Revolução Francesa, é a nação. Segundo Jellinek e outros teóricos da doutrina alemã da personalidade jurídica do Estado, o titular da soberania é o próprio Estado. Esta é a teoria mais aceita atualmente, sem excluir o povo como fonte do poder.

Objeto e significação. Internamente, ou seja, em relação ao povo do Estado e quem se encontre em seu território, a soberania é o poder supremo. Esse poder, porém, não é absoluto, pois deve ser limitado pelo Direito e, caso haja violações graves dos direitos humanos, pode haver intervenção externa, desde que autorizada pela ONU. Externamente, ou seja, em relação aos outros Estados, a soberania significa igualdade e independência de um Estado em relação aos demais. Embora existam Estados fortes e fracos, não existem Estados mais ou menos soberanos. Um Estado pode reagir a uma agressão de outro Estado, mas não pode violar a soberania de outro sem autorização da ONU, sob pena de sofrer sanções internacionais.

Relativização da Soberania. Segundo o jurista italiano contemporâneo Luigi Farrajoli, atualmente a soberania é relativizada internamente pelo Estado de Direito, pela separação de Poderes, pelos grupos de pressão etc., embora ainda seja o grau máximo de poder. Externamente, ela é atenuada pela ONU e por tratados internacionais, blocos econômicos etc. Existe ainda a teoria da negação da soberania: ela não existe de fato, o que existe é a crença na soberania (Duguit).

Conclusões. Soberania não é o poder, mas sim uma qualidade essencial e exclusiva do poder do Estado Moderno. É expressão do poder máximo, mas não do poder absoluto, pois tem regras e limites para o seu exercício, seja interna, seja externamente. Seu titular é o Estado, mas sua fonte é o povo. É elemento essencial do Estado, pois sem soberania não pode existir Estado.

O caso “Altalena”. Este caso, ocorrido em junho de 1948, ilustra bem o momento em que um poder soberano se impõe num Estado recém-formado. Desde o início do século XX, judeus e árabes lutaram por espaço na região da Palestina, que estava sob autoridade da Inglaterra. Havia entre os judeus dois grupos armados principais, a Haganá, que era uma força defensiva, e o Irgun, que atuava de forma agressiva, inclusive com atentados terroristas. Em novembro de 1947, a ONU determinou a partilha da Palestina, com a criação de dois Estados, um judeu e outro árabe. Os judeus aceitaram a partilha, mas os árabes não, o que acirrou a luta entre eles. Em maio de 1948 as forças Inglesas deixaram a Palestina e os judeus proclamaram a independência do Estado de Israel, que foi imediatamente reconhecido por EUA, URSS e outras potências. Porém, cinco países árabes declararam guerra a Israel e invadiram seu território. A Haganá foi transformada no exército regular de Israel, mas o Irgun continuou com suas ações clandestinas. Em meio à guerra, com Israel sendo atacado de todos os lados, chega o navio “Altalena”, transportando 900 imigrantes e um grande carregamento de armas encomendadas pelo Irgun. O primeiro-ministro de Israel, David Ben-Gurion, determinou que a carga deveria ser entregue ao exército de Israel, que dela necessitava desesperadamente, mas o líder do Irgun, Menachem Begin, não concordou, pois pretendia manter ações autônomas em relação ao governo de Israel. Na manhã do dia 22, Ben-Gurion reuniu o gabinete e disse: “O que está acontecendo coloca em perigo nosso esforço de guerra e, mais importante ainda, ameaça a existência do país. Um Estado não pode sobreviver sem que o seu exército seja controlado pelo próprio Estado”. Enquanto isso, Menachem Begin falava de um alto-falante no navio: “Povo de Tel Aviv! Nós, do Irgun, trouxemos armas para combater o inimigo, mas o governo está negando o acesso a elas. Ajude-nos a descarregar. Se há diferenças entre nós, vamos resolvê-las depois”. Quando o navio começou a ser descarregado, Ben-Gurion determinou o ataque ao navio. O “Altalena” foi metralhado e pegou fogo, explodindo com a sua preciosa. Mais de cem pessoas morreram. Outras se jogaram ao mar e foram recolhidas por botes, inclusive Begin que, naquela noite, falou através de sua estação de rádio secreta: “Os soldados do Irgun não vão entrar numa guerra fratricida, mas também não vão aceitar a disciplina de Ben-Gurion”. Mas a história demonstrou que a disciplina de Ben-Gurion, que naquele momento representava a soberania do Estado de Israel, acabou prevalecendo, o que foi crucial para a sobrevivência do Estado. Com o tempo, os membros do Irgun deixaram a clandestinidade e o próprio Begin viria a tornar-se primeiro-ministro de Israel, recebendo o prêmio Nobel da paz em 1978 pelo tratado de paz firmado com o Egito.

Para discussão. As invasões do Afeganistão e do Iraque por coalizões lideradas pelos EUA podem ser consideradas violações à soberania daqueles Estados? Os recentes ataques aéreos da OTAN contra forças do governo da Líbia são uma agressão à soberania desse Estado?


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 31 a 38 e 53 a 56.
Leituras complementares: G. Jellinek, Teoría General del Estado, L. III, cap. 13, item II. H. Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, segunda parte, cap. II. M. Reale, Teoria do Direito e do Estado, cap. IV, itens 92 a 94. L. Ferrajoli, A soberania no mundo moderno. Martin Gilbert, História de Israel, cap. 12.