segunda-feira, 31 de maio de 2010

Resumo 18 – Estado Constitucional (Constituições brasileiras)

III – Estado e Direito

1. O Estado Constitucional
(continuação: Constituições brasileiras)

“Eu proporia que se substituíssem todos os capítulos da Constituição decretando:
Artigo 1º - De agora em diante todo brasileiro está obrigado a ter vergonha na cara. Parágrafo 1º e único – Revogam-se as disposições em contrário”
(Capistrano de Abreu).

Constituições Brasileiras. Desde 1822, quando se tornou um Estado independente e soberano, o Brasil teve oito Constituições: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988.

Carta Imperial de 1824. Outorgada por D. Pedro I, estabeleceu a monarquia e, além dos três poderes tradicionais, também o Poder Moderador, que era exercido pelo Imperador. Era de tipo liberal-burguês, porém mais conservadora que os modelos norte-americano e francês, prevendo, por exemplo, a religião católica como culto oficial.

Constituição Republicana de 1891. Promulgada após a proclamação da República, implantou a forma federativa de Estado e o sistema presidencialista de governo, sofrendo grande influência do modelo norte-americano. Previu os direitos civis de tipo liberal, mas limitou os direitos políticos ao proibir o voto dos analfabetos, que eram a maioria da população.

Constituição de 1934. Promulgada após as Revoluções de 1930 e 1932, manteve a república, o presidencialismo e a federação. Inspirada na Constituição alemã de 1919, previu direitos sociais ao lado dos direitos civis e políticos. Foi a primeira a prever o sufrágio feminino.

Carta ditatorial de 1937. Chamada de “Polaca”, foi outorgada por Getúlio Vargas e serviu para implantar a ditadura do Estado Novo, de tipo fascista. Extinguiu o Senado, manteve o Legislativo fechado e limitou o Judiciário e a federação. Manteve os direitos sociais, mas limitou os direitos civis e políticos, nomeando interventores no lugar de mandatários eleitos e permitindo prisões arbitrárias de opositores.

Constituição de 1946. Promulgada após o fim da ditadura getulista, restaurou a democracia, a república, a separação de poderes e os direitos civis e políticos. Em matéria de direitos sociais, é considerada mais conservadora do que a de 1934. Implantou a ação direta de constitucionalidade.

Constituição de 1967. Com o golpe militar de 64, foram baixados Atos Institucionais que, na prática, revogavam a Constituição de 1946. Em 1967, o ditador Castello Branco determinou que o Congresso, mutilado por diversas cassações, elaborasse num curto prazo uma Constituição, conforme um projeto que sequer previa os direitos e garantias individuais. O Congresso, que não havia sido eleito para elaborar uma nova Constituição, ainda conseguiu melhorar o projeto, incluindo um rol de direitos e garantias individuais. Na prática, foi mantida a ditadura militar, com centralização do poder, eleições indiretas, possibilidade de fechamento do Congresso e edição de decretos-leis pelo Executivo. Devido a tais circunstâncias, há dúvida sobre se essa Constituição pode ser considerada outorgada ou promulgada.

Carta ditatorial de 1969. Em 1968 a ditadura se radicalizou, baixando o famigerado AI-5, que, na prática, suspendia a Constituição de 1967 e todas as garantias dos direitos individuais. Em 1969, a junta militar que governava o país editou uma emenda constitucional que alterava tanto a Constituição que para a maioria dos autores se trata de uma nova Constituição, claramente outorgada, embora o preâmbulo diga que ele foi “promulgada”. O AI-5 continuou em vigor e, com a suspensão dos direitos e garantias individuais, os agentes da ditadura puderam prender e torturar os opositores do regime. O Congresso foi fechado várias vezes e muitos políticos de oposição foram cassados de forma arbitrária. O Judiciário tinha poderes limitados para coibir as arbitrariedades. Foi o mais violento período ditatorial da história brasileira.

A “Constituição Cidadã” de 1988. A ditadura militar abrandou-se a partir de 1979, anistiando os presos políticos e permitindo a volta de exilados. Em eleições indiretas no Colégio Eleitoral, o candidato do governo, Paulo Maluf, foi derrotado pelo oposicionista moderado Tancredo Neves, que conseguiu apoio de parte da base governista. Morto Tancredo antes da posse, o vice Sarney assumiu e, cumprindo compromisso da campanha, enviou ao Congresso uma emenda constitucional prevendo a eleição de uma Assembléia Constituinte, a ser eleita pelo povo. Com ampla participação popular, a Constituinte, liderada por Ulysses Guimarães, promulgou a Constituição democrática de 1988, prevendo extenso rol de direitos civis, políticos e sociais. Apenas o PT, liderado por Lula, se recusou a aprovar a nova Constituição.

Bibliografia.

Leituras recomendadas: Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de Direito Constitucional, Cap. 1, item 10. Hilton Lobo Campanhole, Constituições do Brasil. Paulo Bonavides e Paes de Andrade, História Constitucional do Brasil, São Paulo: Paz e Terra, 1991.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Resumo 17 – Estado Constitucional (Constituinte, supremacia da Constituição e controle de constitucionalidade)

III – Estado e Direito

1. O Estado Constitucional (continuação: Poder Constituinte, supremacia da Constituição e controle de constitucionalidade)

“The constitution is what the judges say it is” (justice Hughes, antigo presidente da Suprema Corte dos EUA).


Poder Constituinte. Conforme a teoria do Abade de Siéyès, o poder que faz a Constituição é o Poder Constituinte. Esse poder pertence ao povo e é exercido por meio de seus representantes reunidos em Assembléia Constituinte. Ele se manifesta quando é fundado um novo Estado (ex.: Brasil em 1822) ou quando uma Constituição é substituída por outra, o que ocorre por consenso social, revolução ou golpe de Estado (ex.: Brasil em 1988).

Poder Constituinte Originário. O poder que constitui um Estado ou lhe dá nova Constituição é o Poder Constituinte Originário, que tem as seguintes características: é inicial, porque não deriva de nenhum outro; é ilimitado, porque é um poder de fato, não limitado por regras de direito positivo, embora tenha limitações sociais, políticas e de direito natural; é autônomo, porque faz suas próprias regras; e é incondicionado, porque não tem pré-condições para seu funcionamento.

Poder Constituinte Derivado. O Poder Constituinte Originário estabelece condições para a alteração da Constituição. O poder encarregado de realizar essas alterações é chamado de Poder Constituinte Derivado. Essa denominação é imprópria, porque, embora ele seja um poder, não é constituinte, por isso há doutrinadores que o denominam de Poder Reformador ou Competência Reformadora. Trata-se de um poder instituído ou secundário, limitado e condicionado.

Limitações à alteração da Constituição. Uma Constituição rígida sempre traz limitações à sua alteração (por emenda ou reforma). Essas limitações são: materiais (matérias que não podem ser alteradas, chamadas de cláusulas pétreas); circunstanciais (ocasiões em que não se pode alterar a Constituição, como na vigência do estado de sítio); e procedimentais (procedimento especial, mais complicado do que o das leis, para alteração da Constituição, como o quorum qualificado)

Princípios e regras constitucionais. A doutrina mais atual do Direito Constitucional vê a Constituição como um sistema de princípios e regras. Os princípios são baseados em valores e têm alto grau de abstração e generalidade e baixa normatividade, como, por exemplo, o princípio da igualdade (ex.: art. 5º, caput, da Constituição brasileira). Já as regras têm baixo grau de abstração e generalidade e alta normatividade, como, por exemplo, o art. 87, parágrafo único, inciso III, da Constituição brasileira. Por isso, se considera que os princípios estão acima das regras e que violar um princípio é mais grave do que violar uma regra.

Supremacia da Constituição e hierarquia das normas. A Constituição é a norma suprema de um Estado, hierarquicamente superior e fundamento de validade das normas infraconstitucionais. Abaixo da Constituição estão as leis (complementares e ordinárias), que são definidas como normas gerais e abstratas que estabelecem uma obrigação, uma proibição ou uma autorização. Há outras normas que são hierarquicamente iguais às leis, como as medida provisórias os decretos legislativos etc. Abaixo das leis estão os decretos, que são atos do Poder Executivo que regulamentam as leis. Abaixo dos decretos estão as portarias, ordens de serviço etc.

Direito intertemporal. Uma nova Constituição revoga inteiramente a anterior e a substitui como fundamento de validade do sistema normativo infraconstitucional. As normas incompatíveis são imediatamente revogadas e as compatíveis são recepcionadas pela nova Constituição. Ex.: o Código Penal, decreto com força de lei baixado pela ditadura Vargas, foi recepcionado pelas Constituições posteriores. Cabe ao Poder Judiciário decidir, num caso concreto, quais normas foram ou não recepcionadas pela nova Constituição.

Controle de Constitucionalidade. A supremacia e a rigidez da Constituição requerem um controle de constitucionalidade que impeça a entrada no sistema de normas com ela incompatíveis, ou seja, inconstitucionais. Trata-se de um requisito lógico, pois se leis inconstitucionais pudessem integrar o sistema elas modificariam a Constituição, o que é incompatível com a supremacia e a rigidez desta.

Caso Marbury x Madison (1803). O controle de constitucionalidade não era previsto nas primeiras Constituições, surgindo da decisão da Suprema Corte norte-americana no caso Marbury x Madison. Segundo essa decisão, são nulas as leis que contrariem a Constituição. Sendo nulas, não obrigam a ninguém. Portanto, se alguém tiver um direito ferido por lei inconstitucional, pode reclamar ao Judiciário, a quem cabe decidir os conflitos aplicando a Constituição.

Formas de controle. Em relação ao momento em que é exercido, o controle de constitucionalidade pode ser feito antes ou depois da entrada em vigor da norma. O primeiro é chamado de preventivo e é realizado pela Comissão de Constituição e Justiça do Legislativo e pelo também veto jurídico do chefe do Executivo. O segundo é o controle repressivo, realizado pelo Judiciário.

Atos passíveis de controle. São passíveis de controle de constitucionalidade a lei ou ato normativo com força de lei, ou seja, uma norma de escalão imediatamente infraconstitucional (leis, medidas provisórias etc.). Também as emendas constitucionais são passíveis de controle, neste caso se forem incompatíveis com as cláusulas pétreas. Decretos e outros atos de escalão inferior à lei não são passíveis de controle de constitucionalidade e sim de legalidade.

Espécies de inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade pode ser formal (vício no processo de criação da norma) e material (vício no conteúdo da norma).

Jurisdição Constitucional. Cabe ao Poder Judiciário realizar o controle de constitucionalidade repressivo, impedindo a permanência no sistema de uma norma incompatível com a Constituição. Sendo um Poder inerte, o Judiciário só declara a inconstitucionalidade de uma norma quando provocado. O controle de constitucionalidade pelo Judiciário tem duas modalidades: o difuso e o concentrado.

Controle difuso. O controle difuso pode ser realizado em qualquer processo, por qualquer juiz ou tribunal. Ele afasta, num caso concreto, a aplicação de uma norma considerada inconstitucional. A decisão só vale para esse caso específico, mas pode ser estendida a todos se a corte suprema confirmar a inconstitucionalidade. No Brasil, do STF comunica a decisão ao Senado, que suspende a eficácia da lei. É o sistema criado nos EUA e utilizado no Brasil desde 1891.

Controle concentrado. O controle concentrado é realizado diretamente por um tribunal constitucional. Criado na Áustria, em 1920 por influência de Hans Kelsen, é o sistema europeu e também é usado no Brasil desde 1946. O instrumento mais comum desse controle é a Ação Direta de Inconstitucionalidade, mas há outros que serão estudados na disciplina Direito Constitucional. A decisão tomada nesse tipo de controle vale erga omnes (para todos).

Bibliografia

Leitura recomendada: Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de Direito Constitucional, Cap. 1, itens 4, 5, 7 e 8. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Resumo 16 – Estado Constitucional (conceito e espécies de Constituição)

III – Estado e Direito

1.O Estado Constitucional
(continuação – conceito e espécies de Constituição)

“Em termos práticos, pode-se afirmar que nenhum profissional da área jurídica, seja ele advogado, juiz, membro do Ministério Público, delegado de polícia ou qualquer outro, nenhum deles estará capacitado para bem desempenhar suas funções se desconhecer a Constituição e os conceitos básicos do Direito Constitucional.” (Dalmo Dallari)



Introdução. A partir das contribuições do Constitucionalismo em suas vertentes liberal-burguesa, social e humanista, podemos chegar a um conceito atual de Constituição. Antes, porém, é interessante analisar a definição de Constituição segundo os pontos de vista sociológico, político e jurídico, para em seguida chegar a um conceito sintético de Constituição.

Sentido sociológico. Sob o ponto de vista sociológico, ou seja, dando ênfase à realidade fática, Ferdinand Lassalle, em célebre conferência proferida em 1863 e depois publicada com o título de A essência da Constituição, afirmou que a Constituição deve refletir os fatores reais de poder, sem o que será uma mera “folha de papel”.

Sentido político. O jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985) vê a Constituição como expressão da “decisão política fundamental”. A Constituição não deriva do direito, e sim de uma decisão de natureza política sobre como deve ser organizado e funcionar o Estado. E tal decisão deve ser tomada por um líder (führer) que encarne a vontade popular. Schmitt desprezava a democracia liberal e tornou-se um autor maldito por apoiar o nazismo. Para ele, a política é regida pela relação “amigo-inimigo” e “o valor maior tem o direito de aniquilar o valor menor”. Em 1932, travou uma polêmica com Kelsen sobre quem deveria ser o guardião da Constituição. Para ele, deveria ser o führer, enquanto para Kelsen, deveria ser o Poder Judiciário. Na época, prevaleceu a teoria de Schmitt, tendo como resultado, com a ascensão de Hitler ao poder, a possibilidade deste de impor leis de exceção sem precisar alterar a Constituição de Weimar. No pós-guerra, porém, prevaleceu a doutrina de Kelsen. Curiosamente, Schmitt hoje é admirado por parte do pensamento de esquerda.


Sentido jurídico. Para Kelsen, a Constituição deve ser descrita sob o ponto de vista estritamente jurídico, sendo o “conjunto das normas positivas que regem a produção do direito”. São, portanto, as normas que estabelecem a forma de Estado, a forma e o sistema de governo, o modo de aquisição e exercício do poder, os órgãos que vão exercer o poder e os limites da atuação deste.

Concepção estrutural de Constituição. Segundo José Afonso da Silva, deve-se buscar uma “concepção estrutural de Constituição, que a considera, em seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma em conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico”.

Ainda segundo José Afonso da Silva “certos modos de agir em sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamento do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a Constituição”. A Constituição, portanto, é fato, valor e norma, conforme a teoria de Miguel Reale.

Concluindo, José Afonso da Silva afirma que “a Constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização de valores que apontam para o existir da comunidade”.


Definição sintética. Diante do que foi visto, podemos definir sinteticamente a Constituição como “conjunto de normas jurídicas superiores num Estado, que estabelecem sua forma, estrutura e finalidade, bem como a origem, a divisão, o funcionamento e os limites do poder, o modelo econômico e os direitos e garantias fundamentais”.

Tipologia das Constituições (principais classificações). Os teóricos do Direito Constitucional costumam estabelecer uma tipologia das Constituições, classificando-as de diversas formas. Veremos, a título de exemplo, apenas as principais classificações.

Quanto à Origem. Quanto à origem, ou o modo pelo qual a Constituição é criada, ela pode ser:
Promulgada (ou democrática): quando é discutida, votada e aprovada por uma assembléia de representantes do povo eleitos livremente, normalmente denominada Assembléia Nacional Constituinte
Outorgada (ou autocrática): quando é imposta por um governo autoritário, sendo também chamada de Carta Constitucional
Cesarista (ou bonapartista): é a Constituição elaborada por um líder autoritário ou carismático (como César e Napoleão) e submetida a consulta popular (referendo) para entrar em vigor. Tem só a aparência de democrática, pois normalmente a opinião pública é manipulada ou mesmo pressionada pelo regime para aprová-la (técnica atualmente em moda na América Latina, por influência de Hugo Chávez).

Quanto à Forma. Tradicionalmente, “constituição” era o modo pelo qual um Estado era organizado, sendo mais comum que essa organização derivasse de costumes políticos e declarações solenes do que de leis. Com exceção da Inglaterra, a partir do Constitucionalismo prevaleceu a idéia de que a Constituição deveria constar de uma lei escrita e solene. Daí deriva a classificação das Constituições quanto à forma:

Escrita: reduzida a um documento formal e escrito, resumindo os princípios e idéias fundamentais das teorias política e jurídica vigentes numa determinada época (por isso também é chamada dogmática). Ex.: EUA (1787) e Brasil (1988) e a maioria dos Estados atuais.

Não-escrita (costumeira, histórica): composta de um conjunto de costumes, declarações solenes, leis escritas e jurisprudência. Ex.: Inglaterra, Nova Zelândia e Israel.

Quanto à Mutabilidade. O Constitucionalismo logo percebeu que a imutabilidade levaria a crises institucionais, pois há a necessidade de atualização do conteúdo da Constituição conforme a alteração das circunstâncias políticas e sociais do Estado, sem que seja preciso substituí-la. Segundo a possibilidade de alteração, as Constituições são assim classificadas:

Imutável: não admite alteração.

Flexível: pode ser alterada pelo mesmo processo usado para as demais leis. Ex.: Estatuto Albertino da Itália (1848) e Inglaterra.

Rígida: É o tipo predominante atualmente, entendendo que a Constituição, por ser hierarquicamente superior, só pode ser alterada por um processo mais complicado do que o utilizado para as leis. Normalmente é exigido um quorum mais elevado do que as maiorias simples e absoluta, além de outras limitações. Há, porém, cláusulas imutáveis, que são as cláusulas pétreas. Ex.: EUA e Brasil.

Semi-rígida (ou semiflexível): é rígida em alguns aspectos e flexível em outros. Ex.: Constituição Imperial do Brasil, que tratava como rígida apenas a matéria tipicamente constitucional.

Quanto ao conteúdo. Nas Constituições não-escritas, só faz parte da Constituição o que for matéria constitucional. Nas Constituições escritas, porém, é comum constar, além da matéria constitucional, outras matérias que não têm essa natureza, mas que, por estarem na constituição, são formalmente constitucionais. Pode também acontecer de matéria constitucional estar fora da Constituição escrita, como é o caso de leis eleitorais.

O conteúdo das Constituições pode ser assim classificado:

Material: matéria tipicamente constitucional, como a organização do Estado, forma e sistema de governo e direitos e garantias fundamentais

Formal: assuntos que constam da Constituição, mas não são materialmente constitucionais. Ex,: Colégio D. Pedro II (art. 242, § 2o. da Constituição de 1988)


Quanto à Extensão. Quanto à extensão, a Constituição pode ser:

Sintética: contém somente princípios e normas fundamentais. Ex.: EUA
Analítica: trata analiticamente da matéria constitucional e freqüentemente abrange matéria formalmente constitucional. Ex.: Brasil e Portugal.

Outras classificações. Há ainda outras classificações, podendo ser destacadas as seguintes:

Constituição-garantia (liberal, clássica)
Constituição-balanço (típica do socialismo, devendo refletir o estágio de evolução da sociedade)
Constituição Dirigente (categoria identificada pelo célebre autor português Canotilho, estabelece programas e metas a serem cumpridos pelo Estado. Ex.: Portugal)

Bibliografia:

Leituras indicadas: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, Primeira Parte, Título I, Cap. II. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, Cap. 2º. Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, Cap. I.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Resumo 15 – Estado Constitucional (Constitucionalismo)

III – Estado e Direito

1. O Estado Constitucional
(primeira parte – Constitucionalismo)


“Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição” (Art. XVI da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, França, 1789).

Introdução. Segundo Miguel Reale, o Estado é ao mesmo tempo uma realidade social (fatos), política (valores) e jurídica (normas). Num Estado Democrático de Direito, é a ordem jurídica que organiza o Estado, determina sua finalidade e limita o seu poder. A lei que organiza o Estado, determina a sua finalidade e limita o poder é a Constituição.

Constituição. Na linguagem comum, constituição é a forma ou composição de um objeto, ou ato de constituir (formar) algo. Todas as coisas têm uma constituição: uma mesa, uma pessoa e também o Estado. Nesse sentido, Constituição é o particular modo de ser de um Estado. Segundo essa perspectiva, Aristóteles estudou mais de 100 constituições de Estados antigos.

Conceito polêmico de Constituição. Na atualidade, interessa o que Manoel Gonçalves Ferreira Filho chama de conceito polêmico de Constituição, surgido com o Constitucionalismo, que não se satisfaz com um conceito formal de Constituição, pretendendo qualificar criticamente o objeto da definição. Segundo essa concepção, Constituição não é qualquer lei, mas sim a lei suprema que tenha certas características bem definidas.

Constitucionalismo. O Constitucionalismo foi um movimento surgido com o Estado Moderno, buscando dotar os Estados de uma lei superior, de preferência escrita, que, além de organizar o Estado, limitasse o poder e garantisse os direitos individuais. Foi uma reação ao arbítrio do Absolutismo e teve influência do iluminismo (humanismo, individualismo, racionalismo) e do contratualismo.

Constitucionalismo liberal-burguês. Produto das teorias jusnaturalistas (Locke, Montesquieu, Rousseau etc.) e das revoluções burguesas, pelas quais a burguesia buscava ascensão política, limitação do poder e garantia dos direitos individuais (propriedade privada e liberdade religiosa, de associação etc.). As principais manifestações dessa fase ocorreram na Inglaterra, nos EUA e na França.

Constitucionalismo Inglês. A Inglaterra teve formação precoce como Estado Moderno, devido à centralização decorrente da dominação pelos reis normandos no século XI. Em 1215, barões e prelados se revoltaram e obrigaram o rei João Sem Terra a assinar a Magna Carta, aceitando algumas limitações em seu poder, como a necessidade de autorização para a criação de impostos, o habeas corpus e o julgamento dos crimes por seus pares e segundo a lei (Júri e devido processo legal). Em 1265 foi criado o Parlamento, com representantes da nobreza, do clero e alguns burgueses, para exercer o Poder Legislativo. Em 1332 o Parlamento cindiu-se em duas Casas: a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns. Na luta constante entre o rei e o Parlamento, seguiram-se a Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Act (1679) e finalmente a Revolução Gloriosa e o Bill of Rigths (1689), que reforçaram a limitação do poder real e a garantia dos direitos individuais. A partir do século XVIII, a Câmara dos Comuns, composta por representantes eleitos pelo povo, passa a prevalecer e desenvolve-se o Parlamentarismo, sistema em que a chefia de governo cabe a um representante da corrente política majoritária segundo a votação popular, cabendo ao rei apenas chefia de Estado. Todos esses documentos e costumes políticos formam a Constituição Inglesa, que tem a peculiaridade de não ser condensada num único documento legal escrito.

Constitucionalismo Norte-americano. As colônias inglesas da América do Norte foram formadas por pessoas sem título de nobreza e que buscavam a liberdade religiosa e de comércio. Em 1620, no navio que trouxe os primeiros colonos, foi assinado o Mayflower Compact, uma espécie de contrato social fixando as normas de convivência na colônia. Contra a opressão praticada pela Inglaterra e sob a influência das idéias de Locke, as colônias declararam a independência em 1776 e redigiram a Declaração de Independência, proclamando que a finalidade do governo é a garantia dos direitos naturais (vida, liberdade, propriedade e busca da felicidade). Em 1787 as 13 ex-colônias se uniram num Estado de tipo federal e redigiram uma Constituição, incorporando os princípios de declaração e organizando o Estado seguindo a teoria de Montesquieu da tripartição do poder. Em 1791, foi promulgado o Bill of Rights, consistente nas 10 primeiras emendas à Constituição, explicitando os direitos individuais a serem garantidos pelo governo. Em 1803, no julgamento do caso Marbury x Madison, a Suprema Corte afirmou a supremacia da Constituição e estabeleceu o controle de constitucionalidade, determinando que o governo está submetido à Constituição e nenhuma lei pode contrariá-la. A Constituição de 1787, com 27 emendas, vigora até hoje nos EUA, sendo constantemente reinterpretada pela Suprema Corte.

Constitucionalismo Francês. Na França, o absolutismo sobreviveu até o final do século XVIII, quando foi derrubado pela Revolução de 1789. Em meio a uma crise social e econômica, o rei Luís XVI convocou os “Estados Gerais”, com representantes das três classes em que estava rigidamente dividida a sociedade francesa (clero, nobreza e povo). Liderado pela burguesia e representando a grande maioria da população, o “terceiro estado” predominou sobre os outros e declarou-se “Assembléia Nacional Constituinte”, passando a redigir uma Constituição para a França. Seguem a teoria do Abade de Sieyès, segundo a qual o Poder Constituinte Originário (poder de elaborar a Constituição, superior aos poderes constituídos) pertence à nação e é exercido por seus representantes. Em 1789 editam a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, cujo artigo 16 resume o credo do Constitucionalismo. Em 1791 é promulgada uma Constituição tendo a Declaração de Direitos como preâmbulo, estabelecendo a tripartição do poder e implantando a monarquia constitucional. Com a predominância dos jacobinos há a radicalização do movimento, é implantado o terror, o rei é guilhotinado e é editada a Constituição republicana de 1793. Com a reação termidoriana dos girondinos, é promulgada a Constituição conservadora de 1795. Seguem-se outras Constituições e, já no século XIX, o Império Napoleônico. Por influência da França, o Constitucionalismo é espalhado pela Europa e pela América Latina. A Constituição passa a ser vista como um documento de cunho político, uma declaração de princípios sem eficácia jurídica. O Código Civil francês de 1804 (“Código Napoleão”) é visto como a lei eficaz para a garantia dos direitos individuais.

Constitucionalismo Social. Com a revolução industrial, surge no século XIX o proletariado, massa de trabalhadores urbanos pobres e que enfrentam péssimas condições de trabalho. Predomina o pensamento liberal segundo o qual a desigualdades sociais são decorrências naturais de relações livres, nas quais o Estado não deve interferir. Os trabalhadores se unem em sindicatos para reivindicar melhores condições de trabalho, mas são duramente reprimidos. Marx e Engels criticam a concepção burguesa de direitos individuais, que se preocupa apenas com a liberdade e não garante a igualdade social, permitindo a exploração dos trabalhadores pelos detentores do capital. Pregam a revolução para acelerar o processo de extinção do capitalismo. Segundo eles, numa primeira fase seria necessária a ditadura do proletariado para possibilitar a extinção da propriedade privada e a expropriação dos meios de produção pelo Estado (socialismo). Em seguida, o Estado seria extinto e não haveria mais classes sociais nem exploração (comunismo). Em 1891, a Igreja Católica lança a sua doutrina social, exposta na encíclica Rerum Novarum, pregando a solidariedade social ao invés da luta de classes, a garantia de condições de vida digna a todos os seres humanos e a função social da propriedade. A propriedade não deve ser extinta, mas deve servir para um fim socialmente útil. Em oposição à ideologia liberal, a intervenção do Estado nas relações sociais e econômicas passa a ser vista como necessária para garantir uma maior igualdade entre as pessoas. As Constituições do início do século XX passam a incorporar os direitos sociais e a ordem econômica, assuntos que até então não eram vistos como matéria constitucional. Na Rússia, a Revolução bolchevique de 1917, liderada por Lênin, implanta o socialismo, com a ditadura do partido comunista, apresentado como a vanguarda do proletariado. As Constituições da URSS de 1919 e 1933implantaram direitos sociais, mas, na prática, suprimiram a liberdade. Milhões de soviéticos são assassinados ou mandados para campos de concentração (Gulag) por serem vistas como inimigos do regime. Diz Lênin: “Temos gasto muito tempo em discussões e tenho que dizer que agora é muitíssimo melhor ‘discutir com fuzis’ que com teses de oposição. Não necessitamos de oposições, camaradas! Não é o momento disso. Deste lado ou do outro – com um fuzil, não com oposição.” Na Alemanha, em 1919, a República de Weimar edita uma Constituição social-democrata, procurando compatibilizar a democracia, os direitos sociais e o capitalismo. Por influência de Kelsen, a Constituição passa a ser vista como norma suprema, mas a supremacia é apenas formal, porque sua efetividade prática é reduzida pela teoria predominante, que vê a maioria das normas constitucionais como programáticas, sem aplicabilidade imediata, dependendo de regulamentação pelas leis.

Neoconstitucionalismo. Após as atrocidades da II Guerra Mundial, é editada pela ONU a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), determinando que os Estados devem garantir a todos os seres humanos os direitos políticos, civis e sociais, compatibilizando liberdade e igualdade. Itália (1947), Alemanha (1949) Portugal (1976), Espanha (1978), Brasil (1988) etc. editam novas Constituições segundo esses parâmetros. Surge uma nova teoria constitucional, sustentando a força normativa da Constituição e a sua aplicabilidade imediata, vinculando os legisladores e aplicadores da lei. É o neoconstitucionalismo ou ou Constitucionalismo Humanista, segundo Dalmo Dallari. Essa nova postura vem encontrando respaldo no Brasil, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

Bibliografia

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Cap. IV, itens 104 a 114.

Leituras complementares: Dalmo Dallari, A Constituição na vida dos povos. Fábio Konder Comparato, A afirmação histórica dos direitos humanos. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, Cap. 1º.