segunda-feira, 29 de março de 2010

Resumo 10 - Elementos do Estado - Povo

II – Do Estado (continuação)

3. Elementos do Estado Moderno (continuação)

3.2. Povo


“Os nazistas começaram a sua exterminação dos judeus privando-os, primeiro, de toda condição legal (isto é, da condição de cidadãos de segunda classe) e separando-os do mundo para ajuntá-los em guetos e campos de concentração; e, antes de acionarem as câmaras de gás, haviam apalpado cuidadosamente o terreno e verificado, para a sua satisfação, que nenhum país reclamava aquela gente. O importante é que se criou uma condição de completa privação de direitos antes que o direito à vida fosse ameaçado” (Hannah Arendt, Origens do totalitarismo, p. 329).


Introdução. Povo é o elemento humano do Estado, composto pelos cidadãos. É o conjunto de pessoas que mantêm um vínculo jurídico-político com o Estado. Segundo Kelsen, é o âmbito pessoal de validade da ordem jurídica estatal. É um conceito jurídico, que não se confunde com população nem com nação.

Não se confundem com povo:

População. Conceito meramente demográfico: é o conjunto de pessoas que habitam o Estado, independentemente de serem ou não cidadãs, incluindo, assim, os estrangeiros e apátridas.
Nação. Conceito político, de fundo cultural e sociológico: “grupo humano no qual os indivíduos se sentem mutuamente unidos, por laços tanto materiais como espirituais, bem como conscientes daquilo que os distingue dos indivíduos componentes de outros grupos nacionais” (Hauriou).
• O conceito de nação foi utilizado para estimular o sentimento popular em favor da unificação quando da formação dos Estados Modernos, também chamados de Estados Nacionais. Mas trata-se de um conceito impreciso, havendo uma grande dificuldade de se saber o que qualifica um grupo humano como nação (“raça”, língua, religião, costumes?).
• Segundo alguns autores, trata-se de um mito romântico, sem base histórica. Para Dallari, nação é uma criação artificial, com forte conotação emocional. Segundo Carl Deutsch, “uma nação é um grupo de pessoas unidas por um erro comum acerca de seus antepassados e um desgosto comum por seus vizinhos”.
• Já para Miguel Reale, a nação é uma realidade histórica, o mais alto grau de integração social. Segundo Del Vecchio, Estados que não correspondem a uma nação são Estados imperfeitos.
• Segundo Burdeau, nos primeiros Estados Modernos a nação fez o Estado, mas nos mais novos o Estado deve fazer a nação.
• No final do século XIX e início do século XX, houve exacerbação e deturpação do nacionalismo, gerando o colonialismo, o racismo e o nazismo
• Há nações sem Estado (judeus antes de 1948, curdos, palestinos, tibetanos etc.) e Estados sem nação (o Brasil em 1822 e talvez até hoje, o Vaticano etc.).
• O fato é que Estado não se confunde com nação e não depende dela para existir.
Para a Ciência Política e a Teoria Geral do Estado, o elemento pessoal do Estado é o povo, e não a população ou a nação.

O povo na história. Nos Estados Antigos, não havia povo propriamente dito, mas apenas súditos. Na Grécia, o povo era o conjunto de cidadãos, sendo estes apenas os que possuíam direitos políticos. O mesmo ocorria em Roma. Na Idade Média o conceito era impreciso, pois o poder político estava disperso e muitas vezes superposto. No Estado Moderno, o poder político é centralizado e unificado, identificando-se precisamente o povo de cada Estado. Com o contratualismo, o povo passa a ser visto como o titular do poder soberano. Sob a influência de autores como Marsílio de Pádua e Rousseau, passa-se de uma noção aristocrática para uma noção democrática de povo, estendendo-se os direitos políticos a camadas cada vez maiores da população.

Conceito jurídico de povo. Segundo Jellinek, povo é o conjunto de pessoas ligadas ao Estado por um vínculo jurídico permanente que lhes confere os direitos públicos subjetivos. O povo, como elemento formador do Estado e a este ligado por um vínculo jurídico, é ao mesmo tempo sujeito e objeto do poder. Sob o aspecto subjetivo, o povo participa do poder do Estado, age, é sujeito de direitos. Sob o aspecto objetivo, o povo esta submetido ao poder do Estado, tem deveres, é súdito.

Direitos públicos subjetivos. Segundo Jellinek, como conseqüência do reconhecimento do vínculo jurídico do povo com o Estado, surgem três tipos de obrigações deste em relação aos cidadãos. São os direitos públicos subjetivos.
Atitudes negativas: estabelecem limites ao poder do Estado em sua relação com os cidadãos; são os direitos individuais, principalmente os vários aspectos da liberdade (liberdade de locomoção, de crença, de expressão etc.)
Atitudes positivas: estabelecem obrigações do Estado para com os indivíduos, como, por exemplo, a obrigação de proteção aos cidadãos, o direito de ação perante o Judiciário e os direitos sociais (saúde, educação, previdência social etc.)
Atitudes de reconhecimento: estabelecem a obrigação de reconhecer a participação dos cidadãos como órgãos do Estado, seja agindo em nome deste, seja contribuindo para a formação da sua vontade, expressa pela lei e pelas decisões políticas.


Conceito restrito de cidadania. Muitos autores (Celso Bastos, José Afonso da Silva etc.) consideram que cidadão é apenas quem possui direitos políticos. Com isso, o povo seria composto apenas pelos eleitores. Os não-eleitores seriam apenas nacionais, mas não cidadãos. A Constituição brasileira faz essa distinção, chamando os brasileiros de nacionais.

Conceito amplo de cidadania. Segundo Jellinek e Dallari, todos os nacionais são também cidadãos e, portanto, membros do povo. Apenas a cidadania ativa (votar e ser votado) depende da aquisição de direitos políticos. Embora minoritária, preferimos esta corrente, pois ela não exclui do conceito de cidadão (e, portanto, do povo), os menores de 16 anos e os que estão privados dos direitos políticos (condenados criminalmente, incapazes etc.)

A lição de Hannah Arendt. Filósofa alemã de origem judia, Hannah Arendt (1906-1975) migrou para os EUA devido à perseguição nazista aos judeus na Europa. Lá lecionou em universidades e publicou vários livros sobre política. Para ela, a política deveria ser considerada a atividade mais nobre do ser humano. Na obra Origens do totalitarismo, observando a situação de cerca 100 milhões de europeus que ficaram desprotegidos porque não tinham ou perderam a cidadania em conseqüência das duas guerras mundiais, ela chega à conclusão de que a cidadania, ou seja, o pertencimento ao povo de um Estado é o direito básico do ser humano, que ela chamou de “direito a ter direitos”. Sem esse direito básico, a pessoa fica desprotegida e todos os seus direitos, até mesmo o direito à vida, ficam ameaçados.


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 44 a 47, e Capítulo III, itens 68 a 71.

Leituras complementares: Celso Ribeiro Bastos, Teoria do Estado e Ciência Política, Cap. V. Jellinek, Teoría General del Estado, Livro III, Cap. 13, item II. Hannah Arendt, Origens do totalitarismo, Parte II, Cap. 5.

Nenhum comentário: