quarta-feira, 30 de abril de 2008

O Petróleo é nosso

Lúcido e oportuno o artigo do embaixador José Viegas publicado na Folha de S. Paulo sobre o destino a ser dado aos lucros obtidos com os megacampos de petróleo que estão sendo descobertos em nosso litoral. O presidente Lula tem diante de si a opção de se transformar num sheik petrolífero à moda árabe, cercado de luxo e corrupção numa sociedade autoritária e desigual, ou entrar para a história como um estadista que usou as riquezas naturais do país para consolidar a democracia e melhorar a vida de seu povo, transformando petrodólares em educação, saúde e progresso social.

O petróleo é nosso

JOSÉ VIEGAS

Podemos seguir o bom exemplo da Noruega e ir pensando desde já na possibilidade de criar um Fundo do Petróleo brasileiro
SUPONHAMOS que as reservas contidas no mais recente achado de petróleo no "ultra deep" brasileiro sejam mesmo de 33 bilhões de barris. Suponhamos que, como o achado não é o primeiro, tampouco será o último. Suponhamos que passemos a exportar, dentro de uns cinco a sete anos, 1 milhão de barris por dia (deve ser mais). Ao preço de hoje, serão 40 bilhões de dólares por ano. Ou seja: 2% do PIB. Que vamos fazer com esse dinheiro?
Precisamos combinar. E podemos começar com uma premissa que deve ser consenso: o petróleo é nosso. Quem somos nós? A nação brasileira.
É só olhar para a lista dos grandes exportadores de petróleo para ver que só um deles, a Noruega, país muito diferente do nosso, é verdadeiramente rico e feliz. Os demais grandes exportadores geram uma riqueza financeira que não se irradia nem pela economia nem pela população e que alimenta gastos supérfluos, burocracias agigantadas e muita corrupção.
Corram a lista para ver onde não é assim. Onde a riqueza do petróleo gerou um surto de desenvolvimento que efetivamente transformou o país em uma potência rica e feliz?
Em síntese, temos que ter presente o fato de que o dinheiro do petróleo não necessariamente fará bem para a saúde da economia do país e pode desvirtuar o seu desenvolvimento, gerando, também aqui, os males que tem gerado em outras partes.
Os mecanismos perversos que afetam as exportações de petróleo são simples e conhecidos. Como já somos auto-suficientes em matéria de petróleo, o aumento da nossa produção será utilizado basicamente para a exportação. O valor da exportação adicional contribuirá para aumentar a cotação internacional do real, que ficará ainda mais sobrevalorizado. Em conseqüência, haverá a diminuição do preço das importações, o que colocará a nossa indústria sob pressão. Isso é o que acontece normalmente e, se nós não tomarmos as medidas necessárias para evitá-lo, é o que também acontecerá conosco.
Singularizei a Noruega porque esse país adotou um esquema alternativo para não deixar que o dinheiro produzido pelas exportações de petróleo se esvaia simplesmente ou, pior, acabe prejudicando o desenvolvimento da nação. O governo norueguês estabeleceu um fundo nacional por meio do qual reserva a renda gerada pelo petróleo para o desenvolvimento a longo prazo.
Em vez de fazer disparar o consumo e as importações a curto prazo (o que gera inflação, gastos supérfluos e desindustrialização), os noruegueses consideraram a renda do petróleo uma riqueza coletiva, pertencente à nação como um todo, e criaram mecanismos capazes de proteger o país das oscilações dos mercados internacionais e de lhe propiciar um desenvolvimento econômico e social sadio e sustentável.
A receita da exportação do petróleo foi canalizada para um fundo que se capitalizou rapidamente e já dispõe de mais de 200 bilhões de euros (mais de 300 bilhões de dólares ou mais de 500 bilhões de reais).
A gestão desse fundo se baseia em duas premissas principais: a) assegurar que uma parcela razoável da riqueza produzida pelo petróleo seja utilizada em proveito das gerações futuras; e b) não permitir que os recursos sejam utilizados de maneiras incompatíveis com a ética, com os interesses de longo prazo da nação e com a proteção do meio ambiente.
Os investimentos do fundo não são especulativos. Destinam-se a apoiar atividades produtivas e a elevar a qualidade de vida da população. Essa é a diferença fundamental entre a Noruega e os outros grandes exportadores de petróleo, em que o grosso do dinheiro vai para os bolsos de magnatas, perde-se em operações de curto prazo, é gasto em corrupção e alimenta privilégios, sem gerar um verdadeiro desenvolvimento econômico e social.
Podemos seguir o bom exemplo e ir pensando desde já na possibilidade de criar um fundo brasileiro, que, como os nossos dois países são muito diferentes, não tem que ser inteiramente igual ao norueguês.
Se decidirmos criar um Fundo do Petróleo, é fundamental que ele seja bem arquitetado, com regras claras e transparentes, com uma base ética sólida e com uma virtual proibição de distribuição de proventos a curto prazo. O Poder Executivo, o Poder Legislativo e a sociedade civil deverão dialogar muito a esse respeito.
O outro aspecto crucial, naturalmente, será a gestão do fundo. Felizmente, o Brasil já tem hoje o terceiro maior banco de desenvolvimento do mundo, o BNDES, cujas práticas de gestão são respeitadas por todos.



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JOSÉ VIEGAS FILHO, 65, é embaixador do Brasil na Espanha. Foi ministro da Defesa (2004-2005).

terça-feira, 29 de abril de 2008

Celso de Mello fala sobre o princípio da publicidade

O Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, paulista de Tatuí, é um dos maiores juristas do Brasil. Suas decisões no mais alto tribunal do país são verdadeiras lições de Direito Constitucional. Abaixo vai um trecho de uma decisão do doutro ministro sobre o princípio da publicidade, que deve reger os atos do governo numa república democrática:


A GESTÃO REPUBLICANA DO PODER E A PUBLI¬CIDADE DOS ATOS GOVERNAMENTAIS: UMA EXIGÊNCIA IMPOSTA PELA ORDEM DEMOCRÁTICA E PELO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

O tema ora veiculado nesta sede mandamental – alegada violação ao princípio constitucional da publicidade – reveste-se de indiscutível relevo jurídico, em face do que dispõe a própria Constituição da República.

Tenho salientado, em decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, que um dos vetores básicos que regem a gestão republicana do poder traduz-se no princípio constitucional da publicidade, que impõe transparência às atividades governamentais e aos atos de qualquer agente público, inclusive daqueles que exercem ou exerceram a Presidência da República.

No Estado Democrático de Direito, não se pode privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo compromete a própria legitimidade material do exercício do poder. A Constituição republicana de 1988 dessacralizou o segredo e expôs todos os agentes públicos a processos de fiscalização social, qualquer que seja o âmbito institucional (Legislativo, Executivo ou Judiciário) em que eles atuem ou tenham atuado.

Ninguém está acima da Constituição e das leis da República. Todos, sem exceção, são responsáveis perante a coletividade, notadamente quando se tratar da efetivação de gastos que envolvam e afetem a despesa pública. Esta é uma incontornável exigência de caráter ético-jurídico imposta pelo postulado da moralidade administrativa.

Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis, que desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da atividade pública. O direito ao governo honesto – nunca é demasiado reconhecê-lo - traduz uma prerrogativa insuprimível da cidadania.

O sistema democrático e o modelo republicano não admitem - nem podem tolerar - a existência de regimes de governo sem a correspondente noção de fiscalização e de responsabilidade. Nenhum membro de qualquer instituição da República, por isso mesmo, pode pretender-se excluído da crítica social ou do alcance do controle fiscalizador da coletividade e dos órgãos estatais dele incumbidos.

A imputação, a qualquer agente estatal, de atos que importem em transgressão às leis revela-se fato que assume, perante o corpo de cidadãos, a maior gravidade, a exigir, por isso mesmo, por efeito de imposição ética emanada de um dos dogmas essenciais da República, a plena apuração e o esclarecimento da verdade, tanto mais se se considerar que o Parlamento recebeu, dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes dos demais Poderes.

Não se poderá jamais ignorar que o princípio republicano consagra o dogma de que todos os agentes públicos – legisladores, magistrados e administradores – são responsáveis perante a lei e a Constituição, devendo expor-se, plenamente, às conseqüências que derivem de eventuais comportamentos ilícitos.

A submissão de todos à supremacia da Constituição e aos princípios que derivam da ética republicana representa o fator essencial de preservação da ordem democrática, por cuja integridade devemos todos velar, enquanto legisladores, enquanto magistrados ou enquanto membros do Poder Executivo.

Não foi por outro motivo que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar a extensão do princípio da moralidade - que domina e abrange todas as instâncias de poder -, proclamou que esse postulado, enquanto valor constitucional revestido de caráter ético-jurídico, condiciona a legitimidade e a validade de quaisquer atos estatais:

“A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado.
O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o compor¬tamento dos agentes e órgãos governamentais.”
(RTJ 182/525-526, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

É importante salientar, neste ponto, que o modelo de governo instaurado em nosso País, em 1964, mostrou-se fortemente estimulado pelo “perigoso fascínio do absoluto” (Pe. JOSEPH COMBLIN, “A Ideologia da Segurança Nacional - O Poder Militar na América Latina”, p. 225, 3ª ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), pois privilegiou e cultivou o sigilo, transformando-o em “praxis” governamental institucionalizada, ofendendo, frontalmente, desse modo, o princípio democrático.

Ao assim proceder, esse regime autoritário, que prevaleceu no Brasil durante largo período (1964-1985), apoiou a condução e a direção dos negócios de Estado em concepção teórica – de que resultou a formulação da doutrina de segurança nacional – que deu suporte a um sistema claramente inconvivente com a prática das liberdades públicas.

Desprezou-se, desse modo, como convém a regimes autocráticos, a advertência feita por NORBERTO BOBBIO, cuja lição magistral sobre o tema (“O Futuro da Democracia”, 1986, Paz e Terra) assinala – com especial ênfase – não haver, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.

Não constitui demasia rememorar, neste ponto, na linha da decisão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal proferiu no julgamento do MI 284/DF, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO (RTJ 139/712-732), que o novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucional a ser observado, inscrevendo-a, em face de sua alta significação, na declaração de direitos e garantias fundamentais que a Constituição da República reconhece e assegura aos cidadãos.

Na realidade, os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, como o Brasil, não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo - que tem, na transparência, a condição de legitimidade de seus próprios atos - sempre coincide com os tempos sombrios em que declinam as liberdades e os direitos dos cidadãos.

A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art.5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de BOBBIO (“op. cit.”, p. 86), como “um modelo ideal do governo público em público”.

sábado, 26 de abril de 2008

Rsumo 11 - Personalidade Jurídica do Estado

III – Estado e Direito

1. Personalidade jurídica do Estado


“à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou melhor (para falar em termos mais reverentes), daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa” (Thomas Hobbes)

• Pessoa (em latim, persona), para o Direito, é o sujeito de direitos e obrigações (Reale). A personalidade jurídica e a capacidade (pessoas, coisas, animais).
• A pessoa jurídica: não se confunde com seus membros.
Teorias sobre a natureza da pessoa jurídica: ficcionismo (Savigny); realismo (surge um novo ente, como numa reação química: Gierke, Laband); institucionalismo (Hauriou: partes que se unem para um objetivo comum, ex.: relógio). Não só objetos palpáveis são reais, mas também os imateriais, como as emoções e as idéias.
• O Estado como pessoa jurídica: Jellinek: sujeito, em sentido jurídico, não é uma essência, algo palpável, mas uma capacidade, criada mediante a vontade da ordem jurídica.
Oposição à idéia de Estado como pessoa jurídica: Duguit (relação de fato); Seydel (terra e gente dominadas por uma vontade superior).
Importância do reconhecimento da personalidade jurídica do Estado: só pessoas têm capacidades para ser sujeitos de direitos e obrigações; sua vontade não se confunde com a dos governantes (órgãos); limitação do poder; conciliação do jurídico com o político (vontade + regulação).

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo III, itens 60 a 63.
Leitura complementar: Miguel Reale, Lições preliminares de Direito, Cap. XVIII.

Resumo 10 - Conceito de Estado

II – Do Estado (continuação)

4. Conceito de Estado


"Tudo o que pode ser em geral pensado pode ser pensado claramente. Tudo o que se pode enunciar pode-se enunciar claramente" (Wittgenstein).


• A multiplicidade de conceitos. Influência da ideologia. Não é a “nação politicamente organizada”. Estado não é nação, nação não é elemento essencial do Estado. Nação é comunidade; Estado é sociedade. E organização política é finalidade (o Estado se organiza para fins políticos) e não forma.
• As regras da definição: a) definição deve ser conversível no definido; b) deve ser clara; c) não deve conter o definido; d) deve ser positiva; e) deve ser breve (Nascimento).
• Os diversos pontos de vista: a) filosófico – Estado é a síntese da contradição dialética entre a família e a sociedade (Hegel); b) jurídico – “ordem coativa normativa da conduta humana” (Kelsen); c) sociológico-político – “comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legítima” (Weber).
• Definições sintéticas: Jellinek: “corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”. Groppalli: “pessoa jurídica soberana constituída de um povo organizado, sobre um território, sob o comando de um poder supremo, para fins de defesa, ordem, bem-estar e progresso social”. Dallari: “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 57 a 59.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 3, item 6. Celso Bastos, Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, Cap. III, item 1. Edmundo Dantès Nascimento, Lógica aplicada à advocacia, Cap. V. Goffredo Telles Junior, Tratado da Conseqüência – Curso de lógica formal, Apêndice, 2ª. questão.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Estado de direito sob ataque

Por Reinaldo Azevedo:

Estado de direito sob ataque - A Receita, o PSDB, o PT e os amigos do rei

Caros, uma notícia passou quase despercebida na semana passada. Vou recuperá-la aqui. Mas, antes, algumas considerações genéricas que caracterizam estes tempos.

O Brasil vive, na política, um momento curioso. Boa parte das pessoas evita chamar as coisas pelo nome que têm porque, assim, se desobrigam da necessidade de agir. Se isso vale para o cidadão não-engajado em partidos ou na atividade política, é especialmente válido para as próprias legendas e para a imprensa. O eufemismo confere o conforto que sentem os enganados. E aquele que, então, denuncia o que está em curso com as palavras que lhe fornece o dicionário é logo chamado de exagerado, como se, diante de ameaças reais, devêssemos os críticos primar pela contenção, pela frieza, por um distanciamento que, tentando ser elegante, é apenas covarde. Só por isso a imprensa e organismos da sociedade civil não pedem, em coro, a demissão do ministro da Justiça, Tarso Genro. Ele não só admite que o Planalto mandou, sim, fazer o dossiê contra o governo FHC (embora o chame por outro nome) como defende a prática, que considera “necessária”.

Convenham: dado o princípio com o qual lida o ministro, é razoável supor que ninguém mais está seguro em qualquer dos Três Poderes da República. Também o cidadão comum — eu, vocês, todos nós — é alvo potencial dos xeretas do oficialismo. Se o governo e “o partido” precisarem, eles vão lá escarafunchar a nossa vida, usando a informação segundo a sua necessidade. O princípio constitucional da impessoalidade no trato da coisa pública vai para o ralo. Que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil tenha se calado a respeito — na verdade, o presidente da entidade. Cézar Britto, disse não ver problemas na feitura de dossiês (que ele também trata por outro nome) — é só mais uma sinal da degradação. Britto repete a argumentação solerte de Genro e diz que crime é o vazamento. O preclaro estaria obrigado a dizer por que alguém faria um dossiê se não fosse para usá-lo contra alguém.

Estamos todos expostos às tentações de um governo que recorre a métodos de estado policial. Um simples caseiro conheceu o que pode a mão pesada desta gente. As personagens mudam, mas o intento é sempre o mesmo: pôr de lado a política, a lei e a legitimidade para se impor pela força — força que vem de “informações” manipuladas nos corredores da ilegalidade, embora a estrutura que lhe sirva de apoio seja a do estado.

Continua aqui:
http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Resumo 9 - Elementos do Estado - Finalidade

II – Do Estado (continuação)

3. Elementos do Estado (continuação)

“Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas: que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis e que entre estes direitos estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.
Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados”

(Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, 1776)



3.4. Finalidade

Finalismo x Determinismo nas sociedades humanas. Nem todos os autores (Kelsen, p. ex.) colocam a finalidade como elemento do Estado. Elemento ou não, tem grande importância. Para Villeneuve, a legitimidade dos atos do Estado depende da adequação à finalidade. Relaciona-se com as funções do Estado. Deformação: a superexaltação de aspectos particulares (economia, ordem) em detrimento dos fins gerais.

Classificações:
1) caráter geral:
a)fins objetivos: universais (comuns a todos os Estados) e particulares (peculiares de cada Estado);
b)fins subjetivos: síntese dos fins individuais;

2) conforme o relacionamento do Estado com os indivíduos e a sociedade:
a) fins expansivos: utilitários (ex. totalitarismo socialista e fascista) e éticos (as teocracias)
b) fins limitados: Estado-polícia (gendarme, não confundir com Estado policial), Estado liberal (ou neoliberal), Estado de Direito (formalista);
c) fins relativos: teoria solidarista de Groppali: o Estado deve conservar, ordenar e auxiliar as manifestações de solidariedade social, garantindo os direitos sociais , como, por exemplo, condições dignas de trabalho, previdência social, saúde e educação, a fim de propiciar a todos os cidadãos uma vida digna e oportunidades iguais de progresso e desenvolvimento pessoal. Estado é meio para a realização do bem comum, e não um fim em si mesmo.

3) quanto à natureza:
a) fins exclusivos (essenciais, próprios do Estado);
b) fins concorrentes (complementares à iniciativa privada).

Síntese (Dallari): fim geral bem comum de um determinado povo, situado num determinado território, ou seja, conforme as peculiaridades do povo de cada Estado. No Brasil, o bem comum, como finalidade, é representado pelos objetivos do Estado brasileiro, consagrados no Preâmbulo e no art. 3º. Constituição.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 48 a 52.
Leituras complementares: Darcy Azambuja, Teoria Geral do Estado, Cap. XI; Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, Cap. LII; Celso Bastos, Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, Cap. III, item 4. Alessandro Groppali, Doutrina do Estado, Segunda Parte, Cap. I, item 8. Encíclica Pacem in Terris:
http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_11041963_pacem_po.html

domingo, 6 de abril de 2008

Resumo 8 - Elementos do Estado - Soberania

II – Do Estado (continuação)

3. Elementos do Estado (continuação)

3.3. Soberania

"A justiça é impotente sem a força; a força sem a justiça é tirânica. A justiça sem a força é contestada, porque sempre há os maus; a força sem a justiça não é aceitável. É preciso, pois, alinhar conjuntamente a justiça e a força, para fazer com que seja forte o que é justo, ou que seja justo o que é forte" (Pascal).


O Poder do Estado

• A teoria de Burdeau: o poder é a força da idéia representada pelos ideais e objetivos de uma sociedade (bem comum). Todas as sociedades são dotadas de poder.
• O Poder do Estado tem características próprias. Segundo Jellinek, há poderes não-dominantes (outras sociedades) e poder dominante (somente o Estado). Características do poder dominante: originário (não é criado por nenhum outro poder e dá sustentação aos demais poderes) e irresistível (dotado de coação), mas, em condições normais, é regulado e limitado pelo Direito.

A Soberania

• É uma característica essencial do poder do Estado. Só o poder do Estado é soberano, daí porque a soberania é elemento essencial do Estado.
Histórico: surge com o Estado Moderno, pela afirmação do poder único do monarca sobre o território do Estado. Não era conhecida na Antiguidade e na Idade Média. Para Bodin, é o poder absoluto e perpétuo num Estado. Para Rousseau, a soberania é una, indivisível, inalienável, imprescritível. A concepção de soberania evoluiu de um fundamento exclusivamente político para um fundamento jurídico, culminando com uma combinação dos dois fundamentos:
Concepção política de soberania: poder é força, dominação, eficácia (Jhering: “a força produz o Direito”). Soberania é o poder incontrastável de querer coercitivamente e de fixar competências (preocupação com a plena eficácia do poder).
Concepção jurídica de soberania: o poder é originado pelo Direito (Kelsen e sua Teoria Pura do Direito: a norma hipotética, suposta). Soberania é o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas (preocupação com a eficácia do Direito – Estado de Direito).
Concepção culturalista (jurídico-política) de soberania: Segundo Reale, o Estado é ao mesmo tempo um fenômeno social (fato), político (valor) e jurídico (norma). O poder nunca deixa de ser substancialmente político, mas não há organização social sem direito (ubi societas, ibi jus; ubi jus, ibi societas). O que há são graus de juridicidade: a presença do Direito vai de um mínimo (a força ordenadamente exercida) até um máximo (força empregada exclusivamente como um meio de realização do Direito), conforme o grau de evolução cultural de uma sociedade. Soberania é a capacidade de um povo de organizar-se juridicamente e de fazer valer, dentro de seu território, a universalidade de suas decisões, nos limites dos fins éticos (valores) da convivência humana.
Justificação da soberania: doutrinas teocrática (o poder vem de Deus) e democrática (o poder pertence ao povo).
Titularidade da soberania: monarca (Bodin), povo (Rousseau), nação (Sieyés), Estado (Jellinek).
Objeto e significação da soberania: internamente, em relação aos indivíduos é o poder supremo. Externamente, em relação a outros Estados é igualdade e independência.
Relativização do conceito: interna (Estado de Direito, separação de Poderes, grupos de pressão etc., embora ainda seja o grau máximo de poder) e externa (ONU, tratados internacionais, blocos econômicos, uso unilateral da força etc.). Teoria da negação da soberania: ela não existe de fato, o que existe é a crença na soberania (Duguit).
Conclusões: Soberania não é o poder, é qualidade do poder do Estado. É o poder máximo, mas não é poder absoluto. Segundo Bonavides e Farrajoli, é um conceito histórico e relativo.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 31 a 38 e 53 a 56.
Leituras complementares: Miguel Reale, Teoria do Direito e do Estado, Cap. IV, item 92. Paulo Bonavides, Ciência Política, Caps. 7 e 9. Darcy Azambuja, Teoria Geraldo Estado, Cap. VI. Luigi Ferrajoli, A soberania no mundo moderno. Georges Burdeau, O Estado, Cap. I. Hans Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, Segunda Parte, Cap. II, item G. Celso Ribeiro Bastos, Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, Cap. V.