sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Demétrio Magnoli critica o projeto de lei que cria cotas raciais nas universidades

Carta aberta ao Grande Chefe Branco

por Demétrio Magnoli

Prezado deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP):

No 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, a Câmara passou a lei de cotas nas universidades e instituições federais de ensino médio, que é a primeira lei racial na história da República. A aprovação se deu sem o voto dos deputados, por conluio entre lideranças. Você participou destacadamente daquele conluio, renunciando à posição contrária à inclusão da raça na lei que dizia sustentar.

Arlindo Chinaglia (PT-SP), o presidente da Câmara, celebrou o desenlace e ofereceu um diagnóstico: “Os que têm opiniões divergentes cederam, o que resultou em um grande avanço.” Traduzo a frase do seguinte modo: nada é impossível, nem mesmo derrubar o princípio da igualdade perante a lei, quando a oposição abdica de seus deveres básicos. Estou errado?

Serei franco. Surpreendeu-me a sua colaboração, sem a qual o projeto teria de aguardar uma sessão com quórum e ser votado nominalmente pelos deputados. Li num jornal a sua justificativa. De acordo com ela, o projeto não é ruim, pois estabelece cotas raciais proporcionais à composição “racial” da população de cada unidade federativa, de modo que, nas suas palavras, nos Estados com predomínio demográfico de brancos, eles terão chances maiores de ingressar nas universidades. Se entendi, você negociou e aprovou o projeto pois não viu nele desvantagens para a “raça branca”. Posso, então, intitulá-lo Grande Chefe Branco?

Não há ironia nisso, acredite. Os patrocinadores de projetos de cotas no ensino e no mercado de trabalho almejam a condição de líderes negros. Eles usam o fruto envenenado da raça para impulsionar carreiras políticas ou conquistar posições de prestígio em ONGs muito bem financiadas. Mas é claro que a construção de identidades raciais oficiais no Brasil abre possibilidades inusitadas. Se há líderes negros, por que não líderes brancos? (Veja que para isso nem se precisa de algo tão aparente quanto a cor da pele: em Ruanda a vida política girava em torno de líderes tutsis e líderes hutus, ao menos até o genocídio).

Não nos enganemos. Políticos oportunistas em busca da condição de líderes negros (ou brancos) são elos instrumentais na passagem de leis de raça, mas a concepção de tais leis se deve aos doutrinários racialistas, que são pessoas dotadas de princípios - e o xis do problema reside no conteúdo desses princípios. Racialismo é a doutrina baseada numa dupla crença: 1) raças existem, se não na natureza, ao menos na história; 2) “a história do mundo não é a história de indivíduos, mas de grupos, não a de nações, mas a de raças”. Empreguei, para expor a segunda crença racialista, uma citação de William Du Bois (1868-1963), o pai fundador da doutrina. Toda a lógica das políticas de cotas raciais se encontra delineada na obra desse americano. Seria inoportuno sugerir que a lesse?

Du Bois era um racialista, não um racista, pois não acreditava em noções de superioridade racial. Ele visitou a Alemanha nazista e gostou do orgulho de raça promovido pelo regime, mas confessou sua repulsa com a perseguição aos judeus. Bem antes, em 1903, escreveu Os talentosos dez por cento, em que expunha a tese de que, por meio de uma criteriosa seleção educacional, um negro em cada dez poderia converter-se em líder mundial da raça negra. O artigo começa assim: “A raça negra, como todas as raças, será salva por seus homens excepcionais. O problema da educação entre negros, então, deve antes de tudo concentrar-se nos 10% talentosos...” Entendeu, agora, a proposta de cotas? Percebeu que ela nada tem que ver com um programa de redução de desigualdades sociais?

Nos EUA, as leis de segregação racial definiram quem era branco e quem era negro. Du Bois falava para uma raça oficializada pela discriminação. Por aqui, os racialistas lamentam a ausência de leis desse tipo no nosso passado, pois recaiu sobre os ombros deles a missão de fabricar, na mente das pessoas, a consciência racial e o orgulho de raça. Fico um tanto triste ao perceber que se procura realizar essa obra a partir da escola. Tarso Genro, na sua passagem pelo Ministério da Educação, ordenou que todas as escolas associem nominalmente cada aluno a uma raça. Você, um ex-ministro da Educação, e Fernando Haddad, o atual titular da pasta, articularam juntos o projeto de cotas raciais aprovado na Câmara. Vocês não são três, mas uma tríade. Juntos, por cima de diferenças partidárias, invadem as aulas de História e Biologia para apagar a lousa onde está escrito que raças humanas não existem, a não ser como invenção do racismo. Mas você liga para o que está escrito na lousa?

Já notou que os brasileiros sentem uma certa repugnância diante da idéia de serem divididos oficialmente em raças? Por coincidência, no mesmo dia em que vocês aprovavam uma lei que faz exatamente isso, divulgou-se uma pesquisa de opinião pública sobre atitudes diante do tema racial. Encomendada pelo Cidan, uma ONG racialista, a pesquisa fez perguntas viciadas, tendenciosas, a uma amostra da população carioca. Mesmo assim, 63% declaram-se contra as cotas raciais. Mais interessante é que as posturas diante das cotas raciais não variam em função da cor autodeclarada das pessoas. Entre os “brancos”, 63,7% rejeitam essa política; entre os “pardos”, 64%; entre os “pretos”, 62,2%. Eu interpreto isso como uma opção identitária: as pessoas, independentemente da cor da pele, querem ser cidadãos iguais perante a lei. Estou errado?

Não há motivo para imaginar que os demais brasileiros pensem diferente dos cariocas. Apesar da maciça propaganda racialista veiculada pelo Estado, os cidadãos percebem o mal que a pedagogia das raças faz aos jovens estudantes. A coincidência entre a divulgação da pesquisa e a aprovação por conchavo da lei de cotas coloca uma pergunta constrangedora: onde está a representação parlamentar da maioria que rejeita as leis raciais?

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.
E-mail: demetrio.magnoli@terra.com.br

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Gabaritos

1º. Noturno, Prova 1
1-C 2-B; 3-E; 4-D; 5-A; 6-C; 7-B; 8-D; 9-E; 10-C

1º. Noturno, Prova 2
1-E 2-E; 3-B; 4-D; 5-C; 6-D; 7-B; 8-D; 9-A; 10-D

1º. Diurno, Prova 1
1-C, 2-D, 3-B, 4-E, 5-C, 6-A, 7-E, 8-C, 9-D, 10-B

1º. Diurno, Prova 2
1-B, 2-E, 3-D, 4-D, 5-E, 6-C, 7-C, 8-D, 9-B, 10-A

Atenção: os cadernos de perguntas estão à disposição na Secretaria.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Pontos para a prova semestral - 2º Semestre/2008

IV – Estado e Governo

1. Estado Moderno e Democracia (Resumo 13)
2. Democracia Representativa (Resumo 14)
3. Representação Política (Partidos Políticos) (Resumo 15)
4. O Sufrágio (Resumo 16)
5. Sistemas Eleitorais. (Resumo 17)
6. Separação de Poderes (Funções do Estado). (Resumo 18)
7. Formas de Governo (Monarquia e República) (Resumo 19)
8. Sistemas de Governo: a) Parlamentarismo (Resumo 20) e b) Presidencialismo (Resumo 21)
9. Formas de Estado (Federação) (Resumo 22)

* Os resumos estão publicados abaixo, neste blog

Resumo 22 - Formas de Estado - Federação

IV – Estado e Governo

9. Formas de Estado (Federação)divisão espacial do poder (organização geográfica do poder no território do Estado)

Uniões de Estados:
a) Uniões Iguais: Confederação (base num tratado, possibilidade de dissolução), União Pessoal (dois Estados soberanos governados por um mesmo chefe de Estado. Ex.: Portugal e Espanha, 1616-1640), União Real (dois Estados unidos de fato, conservando apenas os nomes e a autonomia administrativa. Ex.: Reino Unido) e Federação (detalhes abaixo);
b) Uniões Desiguais: protetorado, vassalagem, império etc.;
c) a Commonwealth Britânica (caso especial: misto de uniões reais, pessoais e confederação).

Formas de Estado:
Estado Unitário (centralização política e administrativa. Ex.: França, Uruguai);
Estado Federal (autonomia política e administrativa. Ex.: EUA, Brasil. Alemanha);
Estado Regional (autonomia administrativa de algumas regiões. Ex.: Portugal, Espanha, Itália)(aceito apenas por alguns autores; outros o consideram espécie de Estado Unitário).

Federação: etimologia (do latim foedus, foedoris: pacto, união, aliança).
Definição: forma de Estado pactuada por uma Constituição e caracterizada pela união indissolúvel de Estados, que abrem mão de sua soberania, mantendo apenas a autonomia política e administrativa, com repartição de competências e rendas. Origem: EUA, 1787 – histórico. A Guerra da Secessão (1861-1865)
Características do Estado Federal:
a) nascimento de um novo Estado;
b) base jurídica numa Constituição (Constituição de tipo rígida, garantida por um Judiciário independente);
c) proibição da secessão;
d) Soberania do Estado Federal (União) e autonomia (leis e governo próprios) dos Estados-membros (também chamados de províncias ou cantões);
e) distribuição de competências e rendas;
f) compartilhamento do poder político;
g) Legislativo bicameral, com um Senado representando os Estados-membros.

Espécies Federação:
a) Federação centrípeta: busca da centralização (EUA)
b) Federação centrífuga: busca da descentralização e da moderação do poder (Brasil)

• A crise do federalismo: declínio da autonomia. “Estamos a cada passo reduzindo o país a Estado unitário (...) A União é aqui o Estado-Providência. Acham-no capaz de resolver, milagrosamente, todos os problemas, e entregam-lhe, de mãos atadas, a federação” (Ataliba Nogueira).

• A União Européia: federação (centrípeta) em construção.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 139 a 145.
Leituras complementares: Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, Caps. XXXI e XXXII. Paulo Bonavides, Ciência Política, Caps. 11 a 13. Celso Ribeiro Bastos, Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, Cap. XIII. Dalmo Dallari, O Estado Federal, Ed. Ática.

sábado, 4 de outubro de 2008

Resumo 21 - Sistemas de Governo (Presidencialismo)

IV – Estado e Governo

8. Sistemas de Governo

8.2. Presidencialismo

• Introdução – No sistema presidencialista, a relação entre os Podres Executivo e Legislativo é marcada pela ênfase na independência entre esses poderes, enquanto no Parlamentarismo a ênfase é na harmonia.
• Origem – Introduzido pela Constituição norte-americana de 1787, sob a influência da teoria da separação de poderes de Montesquieu e da repulsa à monarquia inglesa. Dali espalhou-se para os demais Estados das Américas (menos Canadá).
• Características : a) Chefia de Estado e de Governo exercidas pela mesma pessoa (Presidente da República); b) Chefia unipessoal do Executivo (ministros são meros auxiliares do Presidente, sem responsabilidade política perante o Parlamento); c) Eletividade do Presidente (eleições diretas ou indiretas – os casos do Brasil e dos EUA); d) Presidente tem mandato com prazo determinado (não tem responsabilidade política, responde apenas por crime político através do impeachment. A questão da reeleição); e) Presidente tem poder de veto (forma de controle do Legislativo) e, em muitos casos, iniciativa de lei.
• Prós e Contras – Prós: estabilidade do governo, fortalecimento e independência do Poder Executivo. Contras: falta de responsabilidade política do presidente, problemas no relacionamento com o Legislativo, personalismo. A crítica de Ruy Barbosa e de Paulo Bonavides.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 130 a 133.
Leituras complementares: Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, Cap. XLIII. Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 21. Celso Ribeiro Bastos, Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. Cap. XI, item 3.

sábado, 27 de setembro de 2008

Resumo 20 - Sistemas de Governo (Parlamentarismo)

IV – Estado e Governo


8. Sistemas de Governo – a) Parlamentarismo

Introdução – Sistema de governo diz respeito ao modo como se relacionam os poderes Executivo e Legislativo. Separação bem marcada (ênfase na independência): Presidencialismo; estreita cooperação (ênfase na harmonia): Parlamentarismo.
Formação histórica – o Parlamentarismo na Inglaterra: 1213: Conselho Privado; 1265, criação do Parlamento; 1295, oficialização do Parlamento; 1332, separação em duas Casas; 1688/89: prevalência sobre a Coroa e criação do Gabinete; 1714: assunção de Jorge de Hannover como rei e de Walpole como Primeiro Ministro; 1782: demissão de Lord North, exigência da concordância da Câmara dos Comuns para a nomeação do Primeiro Ministro e surgimento da responsabilidade política; séc. XIX: praxe de o Primeiro Ministro ser escolhido dentre a maioria parlamentar.
Características – Distinção entre Chefe de Estado (Rei ou Presidente da República) e Chefe de Governo (Primeiro Ministro); Chefia do Governo com responsabilidade política (responsabilidade solidária do Gabinete), voto de confiança e de desconfiança; possibilidade de dissolução do Parlamento. Outras: importância da oposição, interpelações e prestações de contas constantes perante o Parlamento, o shadow cabinet, o fair play.
Espécies – Parlamentarismo monista (Chefe de Estado sem atribuições políticas, figura simbólica) e Parlamentarismo dualista (ou clássico: Chefe de Estado com algumas atribuições políticas, PM depende também da sua confiança). O sistema francês (“semi-presidencialismo”): Chefe de Estado (Presidente) com muitas atribuições políticas e de governo.
Parlamentarismo no Brasil – 2º. Reinado e 1961/63. O plebiscito de 1993.
Prós e contras – Prós: racionalização do poder, menos personalista. Contras: fragilidade e instabilidade.
Conclusões – “Sua fraqueza é sua força”, porque tem mecanismos racionais de resolução das crises, sem traumas e sem quebra da legalidade. “Respeito à opinião pública” (Sahid Maluf). “Educa os partidos e os partidos educam o povo” (Bonavides).

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 126 a 129.
Leituras complementares: Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, Cap. XLIV. Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 22. Marcelo Caetano, Direito Constitucional, Ed. Forense, Parte I, Cap. I. Winston S. Churchill, História dos povos de língua inglesa, Vol. 3, Livro VIII.
Filme: “As Loucuras do Rei George” (The Madness of King George – Inglaterra, 1994).

sábado, 20 de setembro de 2008

Resumo 19 - Formas de Governo

IV – Estado e Governo


7. Formas de Governo (Monarquia e República)

Classificações utilizadas neste curso:
Regime político (forma pela qual o poder é exercido): Democracia e Autocracia (ou Ditadura).
Forma de Estado (divisão espacial do poder): Estado Unitário e Estado Federal.
Sistema de governo (modo de funcionamento da relação entre Executivo e Legislativo): Parlamentarismo e Presidencialismo.
Forma de governo (modo de organização e forma de acesso ao poder): Monarquia e República.

As teorias clássicas:
Aristóteles: monarquia, aristocracia e democracia, que podem degenerar em tirania, oligarquia e demagogia.
Cícero: governo misto (combinação entre monarquia, aristocracia e democracia).
Maquiavel: repúblicas e principados.
Montesquieu: República, dividida em Democracia e Aristocracia; Monarquia e Despotismo, cada uma com sua natureza e seu princípio.

Formas atuais básicas: Monarquia e República.

Características da Monarquia: vitaliciedade, hereditariedade, irresponsabilidade.

Monarquias constitucionais: São monarquias nas quais o poder do monarca foi sendo diminuído até que lhe restou apenas o cargo simbólico de Chefe de Estado. Exemplo: Inglaterra.

Características da República: Temporariedade, Eletividade, Responsabilidade.

O Princípio Republicano: ética na política, respeito à coisa pública, impessoalidade, transparência, accountability. Grandes inimigos da República: patrimonialismo e corrupção. As “Monarquias Republicanas”: monarquias constitucionais orientadas pelo princípio republicano.

República x Democracia: “A República é o que nos faz respeitar o bem comum. A Democracia é o que nos faz construir uma sociedade da qual esperamos nosso bem. Na Democracia, desejamos ter e ser mais. Com a República, aprendemos a conter nossos desejos. Há uma tensão forte entre esses dois princípios, mas um não vive sem o outro” (Renato Janine Ribeiro)


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 121 a 125.
Leitura complementar: Renato Janine Ribeiro, A República (coleção “Folha Explica”, ed. Publifolha).

sábado, 13 de setembro de 2008

Resumo 18 - Separação de Poderes

IV – Estado e Governo

6. Separação de Poderes (Funções do Estado)

• A unidade do poder e as diferentes funções do Estado: legislação (elaboração da lei: Poder Legislativo), administração (execução e aplicação da lei, sem necessidade de provocação: Poder Executivo) e jurisdição (aplicação da lei nos conflitos de interesses, quando provocado, de forma definitiva: Poder Judiciário)
• Antecedentes doutrinários históricos: Aristóteles (identificação das três funções básicas), Marsílio de Pádua (legislador é o povo), Maquiavel (conveniência de juízes independentes), Locke (quatro poderes, com supremacia do Legislativo, abrangendo o poder de julgar; e Executivo subordinado, exercendo a função federativa e a prerrogativa)
A doutrina de Montesquieu: tendência ao abuso do poder; distribuição das funções básicas com o fim de evitar o arbítrio e garantir a liberdade; o poder contendo (limitando, moderando) o poder.
• A incorporação da teoria da separação de poderes pelo constitucionalismo: EUA (1787) e França (1791). Os checks and balances (freios e contrapesos, controles recíprocos) na Constituição Americana: veto, controle de constitucionalidade e de legalidade dos atos do Executivo, impeachment, nomeação dos membros dos tribunais superiores etc.
• Independência e harmonia entre os Poderes. Funções típicas e funções atípicas de cada Poder. Legislativo: legislação (típica), administração (funcionários, material) e jurisdição (julgamento do impeachment). Executivo: administração (típica), legislação (medidas provisórias, decretos, veto, iniciativa de lei) e jurisdição (processo administrativo). Judiciário: jurisdição (típica), administração (funcionários, material) e legislação (iniciativa de lei)
Questões diversas. O problema da eficiência: soluções (delegação de poderes etc.). Função de Controle: Ministério Público, Tribunal de Contas e fiscalização pelo Legislativo. O caso da Venezuela (5 Poderes – Poder Eleitoral e Poder Cidadão). O dogma liberal da separação de poderes estaria superado?


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Cap. IV, itens 115 a 120.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 10. Celso Bastos, Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, Cap. X. Montesquieu, O espírito das leis, Livro XI, Cap. VI.

Resumo 17 - Sistemas Eleitorais

IV – Estado e Governo

5. Sistemas Eleitorais

Definição: “conjunto de regras que define como, em uma determinada eleição, o eleitor pode fazer suas escolhas e como os votos são contabilizados para serem transformados em mandatos (transformar votos em poder)” (Jairo Nicolau).
Objetivo: assegurar a autenticidade da representação.
Sistema Majoritário – Utilizado para a eleição do chefe do Executivo (Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito), no sistema Presidencialista, e também para a eleição de Senadores. Quem obtém mais votos é eleito. Pode exigir maioria simples (maior número de votos) ou maioria absoluta (mais da metade dos votos ou, se esta não for alcançada, um segundo turno de votação).
Conseqüências do Sistema Majoritário – o de maioria simples tende ao bipartidarismo e forma governos mais homogêneos, com maioria mais clara e programa mais definido; o de maioria absoluta (turno duplo, se necessário) favorece o pluripartidarismo e forma governos de coalizão.
Sistema Distrital – Utilizado para a eleição dos membros do Poder Legislativo (órgãos colegiados: Câmara de Vereadores, Assembléia Legislativa e Câmara dos Deputados). Divide-se a circunscrição (cidade, Estado, País) em distritos, em número correspondente ao de cadeiras no parlamento, e, em cada um deles, realiza-se uma eleição pelo sistema majoritário. Normalmente, cada distrito elege apenas um representante. Ex: Inglaterra e EUA.
Conseqüências do Sistema Distrital – os mesmos do sistema majoritário; aproximação entre o eleitor e o representante; barateamento das campanhas; facilitação do clientelismo e formação de “currais eleitorais”; sub-representação das minorias; manipulação do desenho dos distritos (gerrymandering)
Sistema Proporcional – Criado na Bélgica, em 1900, sob a inspiração de Mirabeau e Stuart Mill, para possibilitar a representação de minorias e correntes de opinião diversas no Poder Legislativo. A eleição é feita em toda a circunscrição e não por distritos. Basicamente, cada partido elege, para o Legislativo, número de representantes proporcional votação obtida. Ex.: 20% dos votos = 20% das cadeiras.
Cálculo da representação proporcional: divide-se o número de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher = quociente eleitoral (QE); divide-se a votação do partido (ou coligação) pelo quociente eleitoral (QE) = quociente partidário (QP). QP será número de cadeiras a que o partido (ou coligação) tem direito. Se houver sobras, as vagas restantes são preenchidas pelo sistema da maior média (repete-se a operação, adicionado-se 1 ao QE - ver J. A. da Silva).
• Exemplo: numa cidade com 100.000 votos válidos e 20 vagas para vereador, o QE é 5.000 (são precisos 5.000 votos para conquistar uma cadeira na Câmara de Vereadores). Se o Partido A obteve 20.000 votos, seu QP é 4: terá direito a 4 cadeiras. Se o Partido B teve 10.000 votos, seu QP é 2: terá direito a 2 cadeiras. Se o Partido C teve 4.000 votos, não terá direito a cadeira, pois não atingiu o QE.
Preenchimento das Vagas no Sistema Proporcional. Lista aberta: as vagas de cada partido são preenchidas na ordem pelos candidatos mais votados (usado no Brasil). Lista fechada: o partido apresenta previamente uma lista, com a ordem de preferência dos candidatos, preenchendo as vagas conquistadas segundo essa ordem (proposto na reforma política).
Conseqüências do Sistema Proporcional – representação das minorias, favorecendo o pluralismo político; pluripartidarismo, às vezes com multiplicação excessiva de partidos, o que tem levado ao estabelecimento de cláusulas de barreira (requisitos mínimos para que um partido possa eleger representantes)
Sistema Distrital Misto – Utilizado na Alemanha e proposto para o Brasil. Metade dos representantes é eleita pelo sistema distrital e metade pelo sistema proporcional. O eleitor dá dois votos: um no seu distrito e outro na circunscrição.
Os sistemas adotados no Brasil: Chefia do Executivo (Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito): majoritário (maioria absoluta, turno duplo se necessário). Maioria simples para municípios com menos de 200 mil eleitores. Senado: majoritário, com maioria simples. Legislativos (Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas dos Estados e Câmara de Vereadores): proporcional com lista aberta.
• A reforma política

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, 101 a 103.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 17. Jairo Nicolau, Sistemas eleitorais, ed. FGV. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, Título V, Cap. II, n. 18.

Resumo 16 - Sufrágio

IV – Estado e Governo

4. O Sufrágio


Definição: direito público subjetivo (exercido na esfera pública para fins públicos) de participar das decisões políticas, votando (sufrágio ativo) ou sendo votado (sufrágio passivo). Utilizado tanto para a escolha de representantes (democracia representativa) como para a expressão direta da vontade popular (democracia semidireta: plebiscito e referendo).
Natureza: direito ou função (dever)? Numa democracia, é um direito público subjetivo, mas há quem entenda que, devido à necessidade de se escolher representantes e de se saber qual é a vontade do povo, é também uma função do cidadão e, portanto, um dever (voto obrigatório).
Extensão: sufrágio restrito e sufrágio universal (único compatível com a atual idéia de democracia). Espécies de restrições ao sufrágio: nacionalidade, idade, sexo, condição econômica, grau de instrução, condição mental, condenação criminal, indignidade e engajamento militar. Restrições injustificáveis (sexo, raça, condição econômica etc.) são incompatíveis com o sufrágio universal.
Modo de exercício: sufrágio aberto ou secreto (forma aceita atualmente). O sufrágio múltiplo e o sufrágio com valor igual para todos (one man, one vote – forma aceita atualmente). Sufrágio direto (Brasil) e indireto (EUA). Histórico do sufrágio no Brasil: voto censitário, coronelismo, voto de cabresto, curral eleitoral, a Revolução de 30. As fraudes na Flórida na eleição de Bush (ver Michael Moore).

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 97 a 100.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 16. Jairo Nicolau, História do voto no Brasil. Michael Moore, Stupid white men.

sábado, 30 de agosto de 2008

Resumo 15 - Partidos Políticos

IV – Estado e Governo

3. Representação Política – Partidos Políticos

Histórico: a tendência à formação de grupos políticos, o combate às facções (Rousseau, Revolução Francesa) e a aceitação a partir da Inglaterra (Oposição, Burke). Tories x Whigs, Jacobinos x Girondinos, Republicanos x Democratas. A “democracia de partidos”.
Conceito: “associação de pessoas que, tendo a mesma concepção de vida sobre a forma ideal da sociedade e do Estado, se congrega para a conquista do poder político a fim de realizar um determinado programa” (Pinto Ferreira).
Natureza: realidade sociológica ou órgão do Estado (Kelsen)? Pessoa jurídica de direito público ou de direito privado?
Classificação (Duverger): a) quanto à organização interna: partidos de quadros (liberalismo) e partidos de massas (socialismo, trabalhismo, o “aparelho”); b) quanto à organização externa ou ao número: partido único (socialismo, fascismo), bipartidarismo (Inglaterra, EUA) e pluripartidarismo (Brasil, Itália)(a influência do sistema eleitoral); c) quanto ao âmbito de atuação: partido de vocação universal (Partido Comunista da URSS), partidos nacionais (Brasil atual), partidos regionais (Brasil na primeira República) e partidos locais;
• Classificação quanto à posição ideológica: esquerda, direita, cento-esquerda, centro-direita, extrema-esquerda, exterma-direita.
• Crítica aos partidos (A lei de Michels: oligarquização).
• Importância dos partidos para a democracia: são úteis, desde que sejam autênticos e preparem alternativas políticas (Dallari).
• Partidos políticos no Brasil: panorama histórico e situação atual.
• Outras formas de representação (profissional, corporativa, institucional).

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 84 a 87.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Caps. 19 (item 5), 23, 24 e 25. Maurice Duverger, Os partidos políticos (ed. UNB). Norberto Bobbio, Dicionário de política, verbete “Partidos políticos”. Rogério Schimitt, Partidos políticos no Brasil (ed. Jorge Zahar). Pinto Ferreira, Teoria Geral do Estado, Tomo I (Ed. José Konfino).

sábado, 23 de agosto de 2008

Trabalho Semestral

Cada aluno ficará responsável por um Estado.

No final do semestre, apresentará oralmente o trabalho, em três minutos, informando a forma de Estado (unitário, federal, união real ou pessoal), a forma de governo (monarquia ou república), o sistema de governo (presidencialista ou parlamentarista) e o regime de governo (democracia ou ditadura, na opinião fundamentada do aluno).

Vale de zero a um ponto para somar na nota semestral.

Não é obrigatório.

Stuart Mill

“Constitui injustiça pessoal retirar a qualquer um, a menos que seja para prevenir mal maior, o privilégio comum de que lhe contem a voz na decisão dos negócios em que tem o mesmo interesse que os demais. Se é obrigado a pagar, se podem forçá-lo a combater, se lhe exigem implicitamente obediência, deve ter legalmente o direito de saber para quê, de lhe pedirem consentimento, ou de lhe contarem a opinião pelo que vale, embora tão-só pelo seus justo valor. Não devem existir párias em nação civilizada e inteiramente desenvolvida, nenhuma pessoa incapacitada, exceto por culpa própria. Qualquer indivíduo fica degradado, perceba-o ou não, quando outros indivíduos, sem consultá-lo, chamam a si poder ilimitado para regular-lhes o destino (...) Nenhum arranjo dos sufrágios, portanto, pode ser permanentemente satisfatório quando dele se exclui permanentemente qualquer pessoa ou classe, e quando não se faculta o privilégio eleitoral a todas as pessoas de maior idade que desejem obtê-lo” (“Governo Representativo”, 1861).

Madison

“Uma república – que defino como um governo no qual se aplica o esquema da representação – abre uma perspectiva diferente e promete a cura que estamos buscando. Examinemos os pontos nos quais ela difere da democracia pura e compreenderemos tanto a natureza da cura quanto as vantagens que devem resultar da União. Os dois grandes pontos de diferença entre uma democracia e uma república são: primeiro, o exercício do governo, nesta última, é delegado a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos demais; segundo, são bem maiores o número de seus cidadãos e a área que ela pode abranger. O efeito da primeira diferença é, por um lado, aperfeiçoar e alargar os pontos de vista da população, filtrando-os através de um selecionado grupo de cidadãos, cujo saber poderá melhor discernir os verdadeiros interesses de seu país e cujo patriotismo e amor à justiça dificilmente serão sacrificados por considerações temporárias ou parciais.” (“O Federalista”, 1787)

Rousseau

“Desde que o serviço público deixa de constituir a atividade principal de cidadãos e eles preferem servir com sua bolsa a servir com sua pessoa, o Estado já se encontra em ruína. Se lhes for preciso combater, pagarão tropas e ficarão em casa; se necessário ir ao conselho, nomearão deputados e ficarão em casa. À força de preguiça e de dinheiro, terão, por fim, soldados para escravizar a pátria e representantes para vendê-la (...) A soberania não pode ser representada, pela mesma razão que não pode ser alienada; consiste essencialmente na vontade geral, e a vontade de forma alguma se representa: ou é ela mesma, ou é outra, não há meio-termo (...) É nula toda lei que o povo diretamente não ratificar e, em absoluto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois o é somente durante a eleição dos membros do parlamento; logo que estes são eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso que dela faz, mostra que bem merece perdê-la.” (“Do Contrato Social”, 1765)

Montesquieu

“O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade. Para deliberar, não dispõe senão de coisas que não pode ignorar e de fato os que são palpáveis. Sabe muito bem que um homem esteve muitas vezes na guerra, que lhe ocorreram tais e tais sucessos; é então muito capaz de escolher um general. Sabe que um juiz é assíduo; que muitas pessoas se retiram de seu tribunal contentes com ele; que não foi seduzido pela corrupção (...) Todas essas coisas são fatos sobre os quais ele se instrui na praça pública do que um monarca em seu palácio. Mas saberá ele conduzir um assunto, conhecer os lugares, ocasiões e momentos mais favoráveis para resolvê-lo? Não: não saberá.” (“O Espírito das Leis”, 1748)

Democracia

“Em matéria de desonestidade, a diferença entre o regime democrático e a ditadura é a mesma que separa a ferida que corrói a carne por fora e o tumor invisível que corrói por dentro. As feridas democráticas curam-se pelo sol da publicidade, com o cautério da opinião pública livre; ao passo que os cânceres profundos da ditadura apodrecem internamente o corpo social e são por isso mesmo muito mais graves” (Clemenceau)

“Nenhuma guerra explodiu até agora entre Estados dirigidos por regimes democráticos. O que não quer dizer que os Estados democráticos não tenham feito guerras, mas apenas que jamais fizeram entre si” (Norberto Bobbio)

Resumo 14 - Democracia Representativa e Semidireta

IV – Estado e Governo

2. Democracia Representativa

• Democracia antiga e moderna: diferenças
• Democracia moderna: as opiniões de Rousseau, de Montesquieu, dos Federalistas e de Stuart Mill.
• A democracia representativa: o mandato político. Do mandato imperativo ao mandato livre (Rev. Francesa).
• Características atuais do mandato político: geral, autônomo, irresponsável e irrevogável (onde não há recall)

3. Democracia Semidireta

• Resquícios de democracia direta (a Landsgemeinde suíça)
• Democracia semidireta: o povo participa, mas em conjunto com os representantes (plebiscito, referendo, iniciativa popular, veto popular e recall)

• Instrumentos da democracia semidireta:
a) plebiscito - consulta feita ao povo antes da mudança constitucional, legal ou administrativa. Se aprovada a mudança, os representantes elaboraram as normas correspondentes. Ex.: plebiscito de 1993 sobre forma e sistema de governo
b) referendo - consulta feita ao povo depois da proposta de mudança. constitucional, legal ou administrativa estar pronta (elaborada pelos representantes eleitos). Se aprovada a mudança, ela entra em vigor. Ex.: referendo de 2005 sobre o desarmamento.
c) iniciativa popular - certa parcela do povo pode dar início ao processo legislativo. Ex.: Lei 9.840/99
d) veto popular - após a lei ser aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo, o povo tem um prazo para vetá-la (não existe no Brasil) (Ver Bonavides, cuja explicação é mais clara do que a de Dallari).
e) recall - revogação (ou revocação, segundo José Afonso da Silva) do mandato de um representante pelo povo (não existe no Brasil). Ex.: O recall que revogou o mandato do então governador e resultou na eleição de Arnold Schwarzenegger a governador da Califórnia em 2006.

• Perigos da democracia semidireta: cesarismo, bonapartismo, chavismo. Plebiscitos e referendos na Alemanha nazista.


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 79 a 83.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 19, itens 3 e 4, e Cap. 20. Francisco Weffort, Os clássicos da política, vols. 1 e 2, capítulos sobre Montesquieu, Rousseau, os Federalistas e Stuart Mill.

sábado, 16 de agosto de 2008

Resumo 13 - Democracia Antiga e Moderna

IV – Estado e Governo

1. Estado Moderno e Democracia (Democracia Antiga e Moderna)

• Todos os Estados se dizem democráticos, mas o que é Democracia? Origem do termo (do grego: demos/povo, kratos/poder). A classificação de Aristóteles (monarquia x tirania; aristocracia x oligarquia; politéia x democracia). Definição de Lincoln: "governo do povo, pelo povo e para o povo".
A democracia antiga (Grécia, Atenas): características (isonomia, isotimia e isagoria). Cidadania limitada (somente homens livres), mas com alto nível de participação. Liberdade política x limitação da liberdade individual(Segundo B. Constant, "liberdade dos antigos x liberdade dos modernos). O discurso de Péricles.

A democracia moderna: luta contra o absolutismo e afirmação dos direitos naturais (humanos). Extensão da cidadania e limitação da participação direta (representação). Histórico: as revoluções burguesas (Inglaterra, EUA e França). A influência de Locke, Montesquieu e Rousseau. Democracia liberal x democracia social (direitos sociais). Prestígio da democracia após a II Guerra.
• Democracia como técnica e como valor (Janine).
Requisitos (Dallari): a) supremacia da vontade popular (democracia semi-direta, sufrágio universal, representação, sistemas partidários etc.); b) preservação da liberdade (limitação do poder, alternância no poder, participação popular, liberdades públicas, oposição livre, Estado laico etc.); c) igualdade de direitos (direitos políticos, civis e sociais).
• Conclusões: não existe e talvez nunca exista democracia perfeita (Rousseau), mas sim Estados menos e mais democráticos. É um ideal a ser sempre buscado, até porque, segundo Bobbio, ao contrário do despotismo, que não muda, estar em transformação é da natureza da democracia.

Leituras essenciais: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 75 a 78. Renato Janine Ribeiro, A democracia (Coleção Folha Explica, ed. Publifolha).

Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 19. M. Y. Finley, Democracia antiga e moderna. Norberto Bobbio, O futuro da democracia. Giovanni Saartori, A teoria da democracia revisitada. Revista História Viva, nº 58.

sábado, 21 de junho de 2008

Polícia do governo na república dos compadres

Polícia do estado, polícia do governo e estado policial

Reinaldo Azevedo

Só há uma coisa que prospera no país mais do que petróleo na camada do pré-sal: grandes operações da Polícia Federal. Não somei, mas nossas reservas de óleo já devem andar pela casa de uns 300 bilhões de barris... Assim como as operações da PF também se contam às dezenas. Quantas pessoas já foram presas, algemadas, com o estardalhaço característico, e quantas continuam presas? O primeiro número, não sei. O segundo, sei: nenhuma. Cada nova operação vai, digamos assim, repondo os detidos da operação anterior, que a Justiça manda soltar. E manda só porque é leniente e porque as leis, no país, protegem o corrupto? É o caso de analisar. Mas existe uma boa chance de haver abuso de poder nisso tudo. Ademais, é indisfarçável a paixão dessas operações por peixes miúdos. O que a PF sabe até hoje do mensalão? E do dossiê dos aloprados? Vamos com calma.

Não estou me opondo a que a PF faça o seu trabalho, não. Mas a sua paixão pelos holofotes — não a da instituição; refiro-me à do governo, que a chefia — é evidente. Lugar de ladrão é na cadeia. E um texto como este, sei disto, nasce antipático porque fica parecendo que caminha da contramão da moralidade. Não! Ele caminha na contramão do estado policial, o que é coisa bem distinta. Houvesse uma pouco mais de racionalidade e cuidado nas operações — e menos pirotecnia —, haveria pessoas presas, não é mesmo? E, reitero, não há. Daqui a pouco, os encarcerados desta última rodada estarão nas ruas. E sobra para a sociedade, e especialmente para o Congresso, a ameaça velada: “Cuidado! A PF está de olho em você!”

A formalidade legal foi preservada nesta mais recente operação, anote-se: todos os mandados de busca e apreensão foram expedidos pelo Supremo Tribunal Federal, incluindo os feitos no gabinete de dois deputados. Já os mandados de prisão foram expedidos pelo Juiz Hermes Gomes, da 2ª Vara de Governador Valadares, em Minas. Muito bem: se, de fato, as pessoas presas forem culpadas, que fiquem na cadeia e paguem por seus crimes. Mas continuarei a dar curso a meus desconfortos, chamando à memória um caso muito conhecido.

O caseiro pobre

Lembram-se do caseiro Francenildo? O Coaf (Conselho de Controle de Atividade Financeira) chegou a abrir um processo contra o rapaz por lavagem de dinheiro. Afinal, foram encontrados em sua conta R$ 25 mil considerados suspeitos — embora o Coaf se interesse por movimentações acima de R$ 100 mil. Vocês conhecem a história: era dinheiro enviado por seu pai biológico, e o sigilo de Francenildo foi ilegalmente quebrado — ninguém foi punido até agora. Pois bem: o Coaf capaz de detectar os R$ 25 mil de Francenildo não conseguiu perceber a lambança de mais de R$ 50 milhões do mensalão. Há algo de errado com um órgão que pega a mixaria do caseiro, mas deixa passar uma movimentação 1.999 vezes maior? Certamente. Mas o erro maior é na política.

Tarso Genro, ministro da Justiça, a quem a PF está subordinada, discursou hoje. Afirmou que a PF nada tem contra a política e os políticos. Segundo disse, ela apenas está atuando contra a corrupção. É mesmo? Seria demais lembrar ao ministro que os 40 do mensalão (agora 39, já que Silvinho Land Rover conseguiu se livrar), caso venham a se complicar, só terão contratempos porque a Procuradoria-Geral da República decidiu denunciá-los, e o STF acatou a denúncia? Qual foi a colaboração da Polícia Federal nesse caso? Uma polícia capaz de identificar uma falcatrua com cimento numa cidadezinha no interior de Minas Gerais não conseguiu chegar a nenhuma conclusão na investigação dos aloprados?

Neste exato momento, 16h50 do dia 20 de junho, operações literalmente bilionárias aguardam a mudança da lei para que possam ser legais — ou seja: são ilegais e foram patrocinadas pelo governo brasileiro. Refiro-me à venda da VarigLog (que já revendeu a Varig) a um fundo estrangeiro e à compra da Brasil Telecom pela Oi. No primeiro caso, a Anac deu um prazo para a empresa se regularizar — e já garantiu que a venda da Varig para a Gol, embora tenha nascido de uma ilegalidade, não será questionada. Entendo: não mexem com ilegalidades consumadas. No caso das empresas de telefonia, todos sabem, um banco oficial, o BNDES, patrocinou uma operação ilegal.

Nesses dois casos, notem, trato apenas da superfície do imbróglio, de sua face mais conhecida. Mas o noticiário policial que os antecede, como todos sabem, é gigantesco. E, vejam só, nada de Polícia Federal. Quando vejo na TV o ministro Tarso Genro, com fala pausada, escandindo sílabas, a se jactar de um governo que combate a corrupção, usando como evidência as operações da PF, sou obrigado a acender a luz vermelha.

A loura rica

Quero ver a Polícia Federal pegar alguns dos figurões da facção do CDC, dos Compadres dos Compadres. Para que fique provado que se trata mesmo de uma polícia do estado, não do governo. Por enquanto, ela parece demonstrar certa paixão por lambaris e por alguns “ricos & famosos” que não pertencem ao “Jegue Set” do poder. Quando prenderam Eliana Tranchesi, dona da Daslu, com a mobilização de um aparato, creio, só empregado para Fernandinho Beira-Mar, eu ainda estava no Primeira Leitura. Observei, então, o que observo agora: a Daslu sonegou? Tem de pagar, e a lei que vale para as Elianas tem de valer para os Dirceus, os Delúbios, os Teixeiras....

Nem sei como anda o processo contra a empresária, cujo empreendimento continuou a se expandir e a gerar empregos — mas ele tem de operar dentro da lei, é claro. Mas nao só a Daslu: também a VarigLog, a Brasil Telecom, a Oi e todo mundo. A lei tem de valer para os amigos do poder, para os inimigos do poder e para aqueles que são indiferentes ao poder. Talvez Eliana seja um “bom exemplo” para ser a primeira “rica & famosa” realmente punida pelo governo Lula com a cadeia. Se isso acontecer, pode até ser que se esteja fazendo justiça. A questão é saber se não se trata da justiça exemplar e episódica que esconde a injustiça generalizada. Se presa porque sonegou, a questão e saber por que só ela. Se é só ela, então não é porque sonegou, mas porque estará sendo usada como bode expiatório e “exultório” de uma particular justiça que, longe de ser cega, enxerga muito bem...

Qual é o centro deste texto, se é que ainda não ficou claro? Ou se punem todos ou não se pune ninguém? De jeito nenhum! Este é um texto contra a discriminação, contra os privilégios dispensados aos amigos do amigos, aos compadres dos compadres.

E aí poderei, sem susto, admirar o trabalho diligente da Polícia Federal. Como polícia do estado, não do governo.

Fonte:
http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/

terça-feira, 27 de maio de 2008

O mito romântico dos guerrilheiros da democracia

Precisamos acabar com esse mito romântico de que os guerrilheiros da luta armada contra a ditadura eram combatentes da democracia. Na verdade, a grande maioria deles queria mesmo era implantar um outro tipo de ditadura no Brasil, tão assassino e anti-democrático quanto era a ditadura militar. Ou pior, como se viu na URSS de Stalin, na China de Mao e no Camboja de Pol Pot, para não falar na Cuba de Fidel, ainda prendendo dissidentes políticos e censurando a imprensa. O texto abaixo, de autoria do prestigiado jornalista Ricardo Noblat, deixa isto bem claro: houve democratas que combateram a ditadura, como Ulysses Guimarães Tancredo Neves, assim como instituições como a OAB e a Igreja Católica, mas também havia grupelhos, como os que eram integrados por Dilma Roussef e José Dirceu, que na verdade queriam mesmo era uma outra ditadura, na qual eles seriam os ditadores.

O GERME DO AUTORITARISMO

(Ricardo Noblat)

Fui preso quatro vezes durante a ditadura militar inaugurada no país em 1964. Estudava jornalismo no Recife e ao mesmo tempo trabalhava em jornais. Em 1969, eu e mais vinte e poucos colegas fomos expulsos da Universidade Católica de Pernambuco, acusados de subversão. E durante um ano proibidos de estudar em qualquer outra universidade. Fiquei desempregado por algum tempo.

Eu simpatizava com a Ação Popular, uma das muitas organizações de esquerda que lutavam contra a ditadura. Mas nunca a ela me filiei - nem a nenhuma outra. Sabia que não dava para ser jornalista e militante político ao mesmo tempo - e o jornalismo me atraía mais. E não estava convencido de que o comunismo era a salvação do mundo. Não queria trocar a ditadura que nos esmagava por qualquer outro tipo de ditadura.

Todas ou quase todas as organizações que pregavam o fim da ditadura rejeitavam o modelo de "democracia burguesa" que temos hoje, aqui e na maior parte do mundo. Eu respeitava quem pensava assim, mas não estava convencido do acerto de sua opção - pelo contrário. E não via a mais remota chance de sucesso na tentativa de se derrubar a ditadura via luta armada. Ela venceria, como de fato venceu.

Parte dos jovens daquela época era "generosa", como observou, ontem, a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, em entrevista ao Programa do Jô. Por generosa, entenda-se: capaz de arriscar a integridade física em defesa de suas idéias. Mas isso não quer dizer que suas idéias fossem corretas. Ou Dilma ainda acredita na "ditadura do proletariado"? Ou ainda acredita que "o poder está na ponta do fuzil"? Não creio.

Tenho horror e nojo à ditadura, como disse certa vez o deputado Ulysses Guimarães, então presidente do PMDB. E a todas as suas práticas - a suspensão dos direitos e garantias individuais, a tortura e a morte dos seus adversários. Mas por ter combatido a ditadura de 64 ao meu modo, e arrostado com as consequências disso, não me acho merecedor de indenizações ou de qualquer outro tipo de reconhecimento.

A glorificação dos que enfrentaram armados a ditadura pensando em substitui-la por outra revela oportunismo e a dificuldade de se abdicar de idéias carcomidas . Há nisso também muito de arrogância e de autoritarismo.

http://oglobo.globo.com/pais/noblat/

sexta-feira, 23 de maio de 2008

MATÉRIA PARA A PROVA

Atenção: a matéria para a prova do primeiro semestre será a constante dos resumos de 1 a 12 publicados neste blog, além de uma pergunta sobre o livro "O que é participação política", de Dalmo Dallari. Para facilitar, os mesmos resumos serão publicados num texto único no site da FADI. A prova constará de 10 perguntas de múltipla escolha.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Resumo 12 - O Estado Constitucional

III – Estado e Direito

2. O Estado Constitucional (Dallari, Cap. IV, itens 104 a 108)

Introdução

2.1. Direito Constitucional – Definição e importância

2.2. Constituição – primeira abordagem – o “conceito polêmico de Constituição” (Ferreira Filho)

2.3. O Constitucionalismo – Histórico.

Inglaterra: Magna Carta (1215), Parlamento (1265), Petition of Rights (1628), Hábeas Corpus Act (1679), Revolução Gloriosa e Bill of Rigths (1689).

Constitucionalismo Liberal (Burguês): EUA: Declaração de Independência (1776), Constituição (1787). França: Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e Constituições (1791, 1793, 1795).

Constitucionalismo Social: Revolução Industrial e surgimento do proletariado no séc. XIX. A crítica marxista. A doutrina social da Igreja (encíclica Rerum Novarum 1891). Direitos sociais e ordem econômica nas Constituições do sécu XX. México (1917) e Alemanha (1919). Revolução Russa (1917). Constituições do pós-guerra.

2.4. Constituição – conceito – sentidos jurídico (Kelsen), sociológico (Lassalle) e político (Schimitt). Concepção estrutural de Constituição (J. A. Silva).

Definição: “conjunto de normas jurídicas superiores, que estabelecem a forma, a estrutura e a finalidade do Estado, bem como a origem, a divisão, o funcionamento e os limites do poder, o modelo econômico e os direitos e garantias fundamentais”.

2.5. Tipologia das Constituições (classificações)

- Origem: Promulgada, Outorgada e Cesarista

- Forma: Escrita (dogmática) e Não-escrita (costumeira, histórica)

- Mutabilidade: Imutável, Flexível, Rígida e Semi-rígida (semiflexível)

- Conteúdo: Material e Formal

- Extensão: Sintética e Analítica

- Outras: Constituição-garantia (liberal, clássica), Balanço (baseada em Lassalle, típica do socialismo), Dirigente (Canotilho: estabelece obrigações e programas a serem cumpridos pelo Estado), Pactual (ou dualista, compromisso, entre o rei e o parlamento) Legal (composta de normas escritas esparsas, não codificadas num texto único), Plástica (Raul Machado Horta: remete grande parte da sua regulamentação para o legislador ordinário, tornando-a, assim, adaptável às mudanças da sociedade)

2.6. Poder Constituinte – Histórico: a doutrina de Sieyès

a) Poder Constituinte Originário (inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado). Poder de fato. Limitações sociais, políticas e de direito natural. Ocasiões em que se manifesta (Revolução, fundação de Estados, consenso social).
b) Poder Constituinte Derivado (Poder Reformador ou Competência Reformadora) (instituído ou secundário, limitado e condicionado). Limitações materiais, circunstanciais e procedimentais.
c) Poder Constituinte Decorrente

2.7. Supremacia da Constituição e Direito Intertemporal
a) Desconstitucionalização
b) Repristinação
c) Recepção

Atenção: mais detalhes na apostila disponível no xerox do CA e no endereço abaixo:
http://201.91.0.67/sophia_sga/Arquivos.aspx

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Os cento e treze que assinaram a carta anti-racismo

Adel Daher – Diretor do Sindicato dos Ferroviários de Bauru e MS
Adelaide Jóia – Socióloga e Mestre em Educação Infantil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Adriana Atila – Doutora em Antropologia Cultural, IFCS, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Aguinaldo Silva – Jornalista, telenovelista
Alba Zaluar – Titular de Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Livre-docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), colunista da Folha de S. Paulo
Almir Lima da Silva – Jornalista, Centro de Cultura Negra de Macaé-RJ
Alzira Alves de Abreu – Pesquisadora do CPDOC da Fundação Getulio Vargas
Amâncio Paulino de Carvalho – Professor da Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Ana Maria Machado – Escritora, membro da Academia Brasileira de Letras
Ana Teresa A. Venancio – Pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Ângela Porto – Pesquisadora Titular, Fundação Oswaldo Cruz
Antonio Cicero – Poeta e ensaísta
Antonio Risério – Antropólogo
Arlindo Belo da Silva – Conselheiro Fiscal da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Químico (CNQ–CUT)
Bernardo Lewgoy – Professor Adjunto do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Bernardo Sorj – Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Bernardo Vilhena – Poeta
Bila Sorj – Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Bolivar Lamounier – Cientista Político
Caetano Veloso - cantor e compositor
Carlos A. de L. Costa Ribeiro – Professor e Consultor em Ciências do Meio Ambiente
Carlos Pio – Professor da Universidade de Brasília (UNB)
Carlos José Serapião – Professor Titular aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professor Titular da Universidade da Região de Joinville–SC
Celso Castro – Antropólogo, professor do CPDOC da Fundação Getulio Vargas
César Benjamin – Editor
Charles Pires – Diretor do Sindicato dos Funcionários Publicos Municipais de Florianópolis e membro da Executiva da CUT-SC
Cremilda Medina – Jornalista e professora Titular da Universidade de São Paulo (USP)
Cynthia Maria Pinto da Luz – Advogada, Conselheira Nacional do Movimento Nacional em Defesa dos Direitos Humanos
Claudia Travassos – Pesquisadora Titular, Fundação Oswaldo Cruz
Darcy Fontoura de Almeida – Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Demétrio Magnoli – Sociólogo, integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP)
Diomédes Matias da Silva Filho – Diretor do Sindicato dos Professores do Estado de Pernambuco
Domingos Guimaraens – Poeta e artista plástico
Edmar Lisboa Bacha – Economista
Eduardo Giannetti – Economista
Eduardo Pizarro Carnelós – Advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça
Elizabeth Balbachevsky – Professora Associada do Departamento de Ciência Política e pesquisadora sênior do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP)
Esteffane Emanuelle Ferreira – Estudante, Coordenação do DCE da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
Eunice Durham – Professora Emérita da FFLCH da Universidade de São Paulo (USP)
Fernando Gomes Martins – Associação de Moradores do Parque Bandeirantes e Movimento Hip Hop Sumaré-SP
Ferreira Gullar – Poeta
Flávio Rabelo Versiani – Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UNB)
Francisco João Lessa – Advogado, Direção do PT-SC
Francisco Johny Rodrigues Silva – Coordenador do Fórum Afro da Amazônia (FORAFRO)
Francisco Martinho – Professor do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Francisco Mauro Salzano – Professor Emérito do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
George de Cerqueira Leite Zarur – Professor Internacional da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO)
Gerald Thomas – Dramaturgo, criador e diretor da Companhia de Ópera Seca
Gilberto Horchman – Pesquisador, Fundação Oswaldo Cruz
Gilberto Velho – Professor Titular de Antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Brasileira de Ciências
Gilda Portugal – Professora de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Gilson Schwartz – Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Cidade do Conhecimento
Glaucia Kruse Villas Bôas – Professora Associada de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Gursen De Miranda – Professor Adjunto da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Presidente da Academia Brasileira de Letras Agrárias
Helda Castro de Sá – Coordenadora da Associação dos Caboclos e Ribeirinhos da Amazônia
Helena Severo – Cientista social, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas (NEP) do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro
Helga Hoffmann – Economista, integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP)
Heloisa Helena T. de Souza Martins – Professora aposentada de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
Isabel Lustosa – Pesquisadora Titular da Fundação Casa de Rui Barbosa
João Rodarte – Empresário
João Ubaldo Ribeiro – Escritor
José Álvaro Moisés – Professor Titular do Departamento de Ciência Política e Diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP)
José Arbex Jr. – Jornalista e professor do Departamento de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
José Augusto Guilhon Albuquerque – Professor Titular (aposentado) de Relações Internacionais da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP)
José Carlos Miranda – Coordenador Nacional do Movimento Negro Socialista
José Goldemberg – Ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP)
José de Souza Martins – Professor Titular (aposentado) de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
José Roberto Pinto de Góes – Historiador e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Karina Kuschnir – Antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Leão Alves – Presidente do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro
Leonel Munhoz Coimbra – Analista de Controle Externo, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Escola Nacional de Administração Pública
Lourdes Sola – Presidente da Associação Internacional de Ciência Política e professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP)
Luciana Villas-Boas – Diretora do Grupo Editorial Record
Luciene G. Souza – Mestre em Saúde Pública, Fundação Nacional de Saúde
Luiz Alphonsus – Artista Plástico
Luiz Fernando Dias Duarte – Professor Associado do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Luiz Werneck Vianna – Professor Titular do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ)
Lya Luft – Escritora
Manolo Garcia Florentino – Professor do Departamento de Historia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Marcelo Hermes-Lima – Professor de Bioquímica Médica da Universidade de Brasília (UNB)
Marcos Chor Maio – Pesquisador da da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Margarida Cintra Gordinho – Editora
Maria Alice Resende de Carvalho – Socióloga
Maria Cátira Bortolini – Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Maria Conceição Pinto de Góes – Professora do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria Herminia Tavares de Almeida – Cientista Política
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti – Professora Associada do Instituto de Filosofia e Ciencias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria Sylvia Carvalho Franco – Professora Titular da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Mariza Peirano – Professora Titular, Antropologia, Universidade de Brasília (UNB)
Maurício Soares Leite – Professor Adjunto, Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Moacyr Góes – Diretor de teatro e cineasta
Monica Grin – Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Nelson Motta – Produtor musical, jornalista e escritor
Patrícia Vanzella – Professora Adjunta, Departamento de Música da Universidade de Brasília (UNB)
Pedro Paulo Poppovic – Empresário
Peter Henry Fry – Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Reinaldo Azevedo – Jornalista, articulista da revista VEJA e editor do “Blog do Reinaldo Azevedo”
Renata Aparecida Vaz – Coordenação do Movimento Negro Socialista–SP
Renato Lessa – Professor Titular de Teoria Política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Presidente do Instituto Ciência Hoje
Ricardo Ventura Santos – Pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz e Professor Adjunto do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Roberta Fragoso Menezes Kaufmann – Procuradora do Distrito Federal, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UNB) e Professora de Direito Constitucional
Roberto Romano da Silva – Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Rodolfo Hoffmann – Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Ronaldo Vainfas – Professor Titular da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Roque Ferreira – Coordenação da Federação Nacional de Trabalhadores de Transporte sobre Trilho–CUT
Ruth Correa Leite Cardoso – Antropóloga
Serge Goulart – Secretário da Esquerda Marxista do PT
Sergio Danilo Pena – Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências
Simon Schwartzman – Pesquisador do Instituto de Estudos do Tabalho e Sociedade (IETS)
Simone Monteiro – Pesquisadora Associada, Fundação Oswaldo Cruz
Wanderley Guilherme dos Santos – Cientista Político
Wilson Trajano Filho – Professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB)
Yvonne Maggie – Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Centro e treze cidadãos contra o racismo

Cento e treze cidadãos e cidadãs encaminharam uma carta ao Ministro Gilmar Mendes, do STF, contra a política racial do governo federal. Há na internet uma petição on line. Já assinei. O link é:
http://www.petitiononline.com/antiraca/petition.html

ÍNTEGRA DA CARTA ENTREGUE AO MINISTRO GILMAR MENDES. DIVULGUE.

Excelentíssimo Sr. Ministro,

Duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 3.330 e ADI 3.197) promovidas pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), a primeira contra o programa PROUNI e a segunda contra a lei de cotas nos concursos vestibulares das universidades estaduais do Rio de Janeiro, serão apreciadas proximamente pelo STF. Os julgamentos terão significado histórico, pois podem criar jurisprudência sobre a constitucionalidade de cotas raciais não só para o financiamento de cursos no ensino superior particular e para concursos de ingresso no ensino superior público como para concursos públicos em geral. Mais ainda: os julgamentos têm o potencial de enviar uma mensagem decisiva sobre a constitucionalidade da produção de leis raciais.
Nós, intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e outros movimentos sociais, dirigimo-nos respeitosamente aos Juízes da corte mais alta, que recebeu do povo constituinte a prerrogativa de guardiã da Constituição, para oferecer argumentos contrários à admissão de cotas raciais na ordem política e jurídica da República.

Na seara do que Vossas Excelências dominam, apontamos a Constituição Federal, no seu Artigo 19, que estabelece: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. O Artigo 208 dispõe que: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. Alinhada com os princípios e garantias da Constituição Federal, a Constituição Estadual do Rio de Janeiro, no seu Artigo 9, § 1º, determina que: “Ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer particularidade ou condição”.

As palavras da Lei emanam de uma tradição brasileira, que cumpre exatos 120 anos desde a Abolição da escravidão, de não dar amparo a leis e políticas raciais. No intuito de justificar o rompimento dessa tradição, os proponentes das cotas raciais sustentam que o princípio da igualdade de todos perante a lei exige tratar desigualmente os desiguais. Ritualmente, eles citam a Oração aos Moços, na qual Rui Barbosa, inspirado em Aristóteles, explica que: “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade.” O método de tratar desigualmente os desiguais, a que se refere, é aquele aplicado, com justiça, em campos tão distintos quanto o sistema tributário, por meio da tributação progressiva, e as políticas sociais de transferência de renda. Mas a sua invocação para sustentar leis raciais não é mais que um sofisma.

Os concursos vestibulares, pelos quais se dá o ingresso no ensino superior de qualidade “segundo a capacidade de cada um”, não são promotores de desigualdades, mas se realizam no terreno semeado por desigualdades sociais prévias. A pobreza no Brasil tem todas as cores. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006, entre 43 milhões de pessoas de 18 a 30 anos de idade, 12,9 milhões tinham renda familiar per capita de meio salário mínimo ou menos. Neste grupo mais pobre, 30% classificavam-se a si mesmos como “brancos”, 9% como “pretos”, e 60% como “pardos”. Desses 12,9 milhões, apenas 21% dos “brancos” e 16% dos “pretos” e “pardos” haviam completado o ensino médio, mas muito poucos, de qualquer cor, continuaram estudando depois disso. Basicamente, são diferenças de renda, com tudo que vem associado a elas, e não de cor, que limitam o acesso ao ensino superior.

Apresentadas como maneira de reduzir as desigualdades sociais, as cotas raciais não contribuem para isso, ocultam uma realidade trágica e desviam as atenções dos desafios imensos e das urgências, sociais e educacionais, com os quais se defronta a nação. E, contudo, mesmo no universo menor dos jovens que têm a oportunidade de almejar o ensino superior de qualidade, as cotas raciais não promovem a igualdade, mas apenas acentuam desigualdades prévias ou produzem novas desigualdades:
 As cotas raciais exclusivas, como aplicadas, entre outras, na Universidade de Brasília (UnB), proporcionam a um candidato definido como “negro” a oportunidade de ingresso por menor número de pontos que um candidato definido como “branco”, mesmo se o primeiro provém de família de alta renda e cursou colégios particulares de excelência e o segundo provém de família de baixa renda e cursou escolas públicas arruinadas. No fim, o sistema concede um privilégio para candidatos de classe média arbitrariamente classificados como “negros”.
 As cotas raciais embutidas no interior de cotas para candidatos de escolas públicas, como aplicadas, entre outras, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), separam os alunos proveniente de famílias com faixas de renda semelhantes em dois grupos “raciais” polares, gerando uma desigualdade “natural” num meio caracterizado pela igualdade social. O seu resultado previsível é oferecer privilégios para candidatos definidos arbitrariamente como “negros” que cursaram escolas públicas de melhor qualidade, em detrimento de seus colegas definidos como “brancos” e de todos os alunos de escolas públicas de pior qualidade.
A PNAD de 2006 informa que 9,41 milhões de estudantes cursavam o ensino médio, mas apenas 5,87 milhões freqüentavam o ensino superior, dos quais só uma minoria de 1,44 milhão estavam matriculados em instituições superiores públicas. As leis de cotas raciais não alteram em nada esse quadro e não proporcionam inclusão social. Elas apenas selecionam “vencedores” e “perdedores”, com base num critério altamente subjetivo e intrinsecamente injusto, abrindo cicatrizes profundas na personalidade dos jovens, naquele momento de extrema fragilidade que significa a disputa, ainda imaturos, por uma vaga que lhes garanta o futuro.

Queremos um Brasil onde seus cidadãos possam celebrar suas múltiplas origens, que se plasmam na criação de uma cultura nacional aberta e tolerante, no lugar de sermos obrigados a escolher e valorizar uma única ancestralidade em detrimento das outras. O que nos mobiliza não é o combate à doutrina de ações afirmativas, quando entendidas como esforço para cumprir as Declarações Preambulares da Constituição, contribuindo na redução das desigualdades sociais, mas a manipulação dessa doutrina com o propósito de racializar a vida social no país. As leis que oferecem oportunidades de emprego a deficientes físicos e que concedem cotas a mulheres nos partidos políticos são invocadas como precedentes para sustentar a admissibilidade jurídica de leis raciais. Esse segundo sofisma é ainda mais grave, pois conduz à naturalização das raças. Afinal, todos sabemos quem são as mulheres e os deficientes físicos, mas a definição e delimitação de grupos raciais pelo Estado é um empreendimento político que tem como ponto de partida a negação daquilo que nos explicam os cientistas.

Raças humanas não existem. A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas “raças” humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de 10 genes! Nas palavras do geneticista Sérgio Pena: “O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das ‘raças’ deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de ‘raças’.” (“Receita para uma humanidade desracializada”, Ciência Hoje Online, setembro de 2006).

Não foi a existência de raças que gerou o racismo, mas o racismo que fabricou a crença em raças. O “racismo científico” do século XIX acompanhou a expansão imperial européia na África e na Ásia, erguendo um pilar “científico” de sustentação da ideologia da “missão civilizatória” dos europeus, que foi expressa celebremente como o “fardo do homem branco”.

Os poderes coloniais, para separar na lei os colonizadores dos nativos, distinguiram também os nativos entre si e inscreveram essas distinções nos censos. A distribuição de privilégios segundo critérios etno-raciais inculcou a raça nas consciências e na vida política, semeando tensões e gestando conflitos que ainda perduram. Na África do Sul, o sistema do apartheid separou os brancos dos demais e foi adiante, na sua lógica implacável, fragmentando todos os “não-brancos” em grupos étnicos cuidadosamente delimitados. Em Ruanda, no Quênia e em tantos outros lugares, os africanos foram submetidos a meticulosas classificações étnicas, que determinaram acessos diferenciados aos serviços e empregos públicos. A produção política da raça é um ato político que não demanda diferenças de cor da pele.
O racismo contamina profundamente as sociedades quando a lei sinaliza às pessoas que elas pertencem a determinado grupo racial – e que seus direitos são afetados por esse critério de pertinência de raça. Nos Estados Unidos, modelo por excelência das políticas de cotas raciais, a abolição da escravidão foi seguida pela produção de leis raciais baseadas na regra da “gota de sangue única”. Essa regra, que é a negação da mestiçagem biológica e cultural, propiciou a divisão da sociedade em guetos legais, sociais, culturais e espaciais. De acordo com ela, as pessoas são, irrevogavelmente, “brancas” ou “negras”. Eis aí a inspiração das leis de cotas raciais no Brasil.

“Eu tenho o sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação na qual não serão julgados pela cor da sua pele mas pelo conteúdo de seu caráter”. Há 45 anos, em agosto, Martin Luther King abriu um horizonte alternativo para os norte-americanos, ancorando-o no “sonho americano” e no princípio político da igualdade de todos perante a lei, sobre o qual foi fundada a nação. Mas o desenvolvimento dessa visão pós-racial foi interrompido pelas políticas racialistas que, a pretexto de reparar injustiças, beberam na fonte envenenada da regra da “gota de sangue única”. De lá para cá, como documenta extensamente Thomas Sowell em Ação afirmativa ao redor do mundo: um estudo empírico (Univer Cidade, 2005), as cotas raciais nos Estados Unidos não contribuíram em nada para reduzir desigualdades mas aprofundaram o cisma racial que marca como ferro em brasa a sociedade norte-americana.

“É um impasse racial no qual estamos presos há muitos anos”, na constatação do senador Barack Obama, em seu discurso pronunciado a 18 de março, que retoma o fio perdido depois do assassinato de Martin Luther King. O “impasse” não será superado tão cedo, em virtude da lógica intrínseca das leis raciais. Como assinalou Sowell, com base em exemplos de inúmeros países, a distribuição de privilégios segundo critérios etno-raciais tende a retroalimentar as percepções racializadas da sociedade – e em torno dessas percepções articulam-se carreiras políticas e grupos organizados de pressão.

Mesmo assim, algo se move nos Estados Unidos. Há pouco, repercutindo um desencanto social bastante generalizado com o racialismo, a Suprema Corte declarou inconstitucionais as políticas educacionais baseadas na aplicação de rótulos raciais às pessoas. No seu argumento, o presidente da Corte, juiz John G. Roberts Jr., escreveu que “o caminho para acabar com a discriminação baseada na raça é acabar com a discriminação baseada na raça”. Há um sentido claro na reiteração: a inversão do sinal da discriminação consagra a raça no domínio da lei, destruindo o princípio da cidadania.

Naquele julgamento, o juiz Anthony Kennedy alinhou-se com a maioria, mas proferiu um voto separado que contém o seguinte protesto: “Quem exatamente é branco e quem é não-branco? Ser forçado a viver sob um rótulo racial oficial é inconsistente com a dignidade dos indivíduos na nossa sociedade. E é um rótulo que um indivíduo é impotente para mudar!”. Nos censos do IBGE, as informações de raça/cor abrigam a mestiçagem e recebem tratamento populacional. As leis raciais no Brasil são algo muito diferente: elas têm o propósito de colar “um rótulo que um indivíduo é impotente para mudar” e, no caso das cotas em concursos vestibulares, associam nominalmente cada jovem candidato a uma das duas categorias “raciais” polares, impondo-lhes uma irrecorrível identidade oficial.

O juiz Kennedy foi adiante e, reconhecendo a diferença entre a doutrina de ações afirmativas e as políticas de cotas raciais, sustentou a legalidade de iniciativas voltadas para a promoção ativa da igualdade que não distinguem os indivíduos segundo rótulos raciais. Reportando-se à realidade norte-americana da persistência dos guetos, ele mencionou, entre outras, a seleção de áreas residenciais racialmente segregadas para os investimentos prioritários em educação pública.

No Brasil, difunde-se a promessa sedutora de redução gratuita das desigualdades por meio de cotas raciais para ingresso nas universidades. Nada pode ser mais falso: as cotas raciais proporcionam privilégios a uma ínfima minoria de estudantes de classe média e conservam intacta, atrás de seu manto falsamente inclusivo, uma estrutura de ensino público arruinada. Há um programa inteiro de restauração da educação pública a se realizar, que exige políticas adequadas e vultosos investimentos. É preciso elevar o padrão geral do ensino mas, sobretudo, romper o abismo entre as escolas de qualidade, quase sempre situadas em bairros de classe média, e as escolas devastadas das periferias urbanas, das favelas e do meio rural. O direcionamento prioritário de novos recursos para esses espaços de pobreza beneficiaria jovens de baixa renda de todos os tons de pele – e, certamente, uma grande parcela daqueles que se declaram “pardos” e “pretos”.

A meta nacional deveria ser proporcionar a todos um ensino básico de qualidade e oportunidades verdadeiras de acesso à universidade. Mas há iniciativas a serem adotadas, imediatamente, em favor de jovens de baixa renda de todas as cores que chegam aos umbrais do ensino superior, como a oferta de cursos preparatórios gratuitos e a eliminação das taxas de inscrição nos exames vestibulares das universidades públicas. Na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o Programa de Cursinhos Pré-Vestibulares Gratuitos, destinado a alunos egressos de escolas públicas, atendeu em 2007 a 3.714 jovens, dos quais 1.050 foram aprovados em concursos vestibulares, sendo 707 em universidades públicas. Medidas como essa, que não distinguem os indivíduos segundo critérios raciais abomináveis, têm endereço social certo e contribuem efetivamente para a amenização das desigualdades.

A sociedade brasileira não está livre da chaga do racismo, algo que é evidente no cotidiano das pessoas com tom de pele menos claro, em especial entre os jovens de baixa renda. A cor conta, ilegal e desgraçadamente, em incontáveis processos de admissão de funcionários. A discriminação se manifesta de múltiplas formas, como por exemplo na hora das incursões policiais em bairros periféricos ou nos padrões de aplicação de ilegais mandados de busca coletivos em áreas de favelas.
Por certo existe preconceito racial e racismo no Brasil, mas o Brasil não é uma nação racista. Depois da Abolição, no lugar da regra da “gota de sangue única”, a nação brasileira elaborou uma identidade amparada na idéia anti-racista de mestiçagem e produziu leis que criminalizam o racismo. Há sete décadas, a República não conhece movimentos racistas organizados ou expressões significativa de ódio racial. O preconceito de raça, acuado, refugiou-se em expressões oblíquas envergonhadas, temendo assomar à superfície. A condição subterrânea do preconceito é um atestado de que há algo de muito positivo na identidade nacional brasileira, não uma prova de nosso fracasso histórico.

“Quem exatamente é branco e quem é não-branco?” – a indagação do juiz Kennedy provoca algum espanto nos Estados Unidos, onde quase todos imaginam conhecer a identidade “racial” de cada um, mas parece óbvia aos ouvidos dos brasileiros. Entre nós, casamentos interraciais não são incomuns e a segregação residencial é um fenômeno basicamente ligado à renda, não à cor da pele. Os brasileiros tendem a borrar as fronteiras “raciais”, tanto na prática da mestiçagem quanto no imaginário da identidade, o que se verifica pelo substancial e progressivo incremento censitário dos “pardos”, que saltaram de 21% no Censo de 1940 para 43% na PNAD de 2006, e pela paralela redução dos “brancos” (de 63% para 49%) ou “pretos” (de 15% para 7%).

A percepção da mestiçagem, que impregna profundamente os brasileiros, de certa forma reflete realidades comprovadas pelos estudos genéticos. Uma investigação já célebre sobre a ancestralidade de brasileiros classificados censitariamente como “brancos”, conduzida por Sérgio Pena e sua equipe da Universidade Federal de Minas Gerais, comprovou cientificamente a extensão de nossas miscigenações. “Em resumo, estes estudos filogeográficos com brasileiros brancos revelaram que a imensa maioria das patrilinhagens é européia, enquanto a maioria das matrilinhagens (mais de 60%) é ameríndia ou africana” (PENA, S. “Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas?”, Estudos Avançados 18 (50), 2004). Especificamente, a análise do DNA mitocondrial, que serve como marcador de ancestralidades maternas, mostrou que 33% das linhagens eram de origem ameríndia, 28% de origem africana e 39% de origem européia.

Os estudos de marcadores de DNA permitem concluir que, em 2000, existiam cerca de 28 milhões de afrodescendentes entre os 90,6 milhões de brasileiros que se declaravam “brancos” e que, entre os 76,4 milhões que se declaravam “pardos” ou “pretos”, 20% não tinham ancestralidade africana. Não é preciso ir adiante para perceber que não é legítimo associar cores de pele a ancestralidades e que as operações de identificação de “negros” com descendentes de escravos e com “afrodescentes” são meros exercícios da imaginação ideológica. Do mesmo modo, a investigação genética evidencia a violência intelectual praticada pela unificação dos grupos censitários “pretos” e “pardos” num suposto grupo racial “negro”.
Mas a violência não se circunscreve à esfera intelectual. As leis de cotas raciais são veículos de uma engenharia política de fabricação ou recriação de raças. Se, individualmente, elas produzem injustiças singulares, socialmente têm o poder de gerar “raças oficiais”, por meio da divisão dos jovens estudantes em duas raças polares. Como, no Brasil, não sabemos quem exatamente é “negro” e quem é “não-negro”, comissões de certificação racial estabelecidas pelas universidades se encarregam de traçar uma fronteira. A linha divisória só se consolida pela validação oficial da autodeclaração dos candidatos, num processo sinistro em que comissões universitárias investigam e deliberam sobre a “raça verdadeira” dos jovens a partir de exames de imagens fotográficas ou de entrevistas identitárias. No fim das contas, isso equivale ao cancelamento do princípio da autodeclaração e sua substituição pela atribuição oficial de identidades raciais.

Na UnB, uma comissão de certificação racial composta por professores e militantes do movimento negro chegou a separar dois irmãos gêmeos idênticos pela fronteira da raça. No Maranhão, produziram-se fenômenos semelhantes. Pelo Brasil afora, os mesmos candidatos foram certificados como “negros” em alguma universidade mas descartados como “brancos” em outra. A proliferação das leis de cotas raciais demanda a produção de uma classificação racial geral e uniforme. Esta é a lógica que conduziu o MEC a implantar declarações raciais nominais e obrigatórias no ato de matrícula de todos os alunos do ensino fundamental do país. O horizonte da trajetória de racialização promovida pelo Estado é o estabelecimento de um carimbo racial compulsório nos documentos de identidade de todos os brasileiros. A história está repleta de barbaridades inomináveis cometidas sobre a base de carimbos raciais oficialmente impostos.

A propaganda cerrada em favor das cotas raciais assegura-nos que os estudantes universitários cotistas exibem desempenho similar ao dos demais. Os dados concernentes ao tema são esparsos, contraditórios e pouco confiáveis. Mas isso é essencialmente irrelevante, pois a crítica informada dos sistemas de cotas nunca afirmou que estudantes cotistas seriam incapazes de acompanhar os cursos superiores ou que sua presença provocaria queda na qualidade das universidades. As cotas raciais não são um distúrbio no ensino superior, mas a face mais visível de uma racialização oficial das relações sociais que ameaça a coesão nacional.

A crença na raça é o artigo de fé do racismo. A fabricação de “raças oficiais” e a distribuição seletiva de privilégios segundo rótulos de raça inocula na circulação sanguínea da sociedade o veneno do racismo, com seu cortejo de rancores e ódios. No Brasil, representaria uma revisão radical de nossa identidade nacional e a renúncia à utopia possível da universalização da cidadania efetiva.

Ao julgar as cotas raciais, o STF não estará deliberando sobre um método de ingresso nas universidades, mas sobre o significado da nação e a natureza da Constituição. Leis raciais não ameaçam uma “elite branca”, conforme esbravejam os racialistas, mas passam uma fronteira brutal no meio da maioria absoluta dos brasileiros. Essa linha divisória atravessaria as salas de aula das escolas públicas, os ônibus que conduzem as pessoas ao trabalho, as ruas e as casas dos bairros pobres. Neste início de terceiro milênio, um Estado racializado estaria dizendo aos cidadãos que a utopia da igualdade fracassou – e que, no seu lugar, o máximo que podemos almejar é uma trégua sempre provisória entre nações separadas pelo precipício intransponível das identidades raciais. É esse mesmo o futuro que queremos?

quarta-feira, 30 de abril de 2008

O Petróleo é nosso

Lúcido e oportuno o artigo do embaixador José Viegas publicado na Folha de S. Paulo sobre o destino a ser dado aos lucros obtidos com os megacampos de petróleo que estão sendo descobertos em nosso litoral. O presidente Lula tem diante de si a opção de se transformar num sheik petrolífero à moda árabe, cercado de luxo e corrupção numa sociedade autoritária e desigual, ou entrar para a história como um estadista que usou as riquezas naturais do país para consolidar a democracia e melhorar a vida de seu povo, transformando petrodólares em educação, saúde e progresso social.

O petróleo é nosso

JOSÉ VIEGAS

Podemos seguir o bom exemplo da Noruega e ir pensando desde já na possibilidade de criar um Fundo do Petróleo brasileiro
SUPONHAMOS que as reservas contidas no mais recente achado de petróleo no "ultra deep" brasileiro sejam mesmo de 33 bilhões de barris. Suponhamos que, como o achado não é o primeiro, tampouco será o último. Suponhamos que passemos a exportar, dentro de uns cinco a sete anos, 1 milhão de barris por dia (deve ser mais). Ao preço de hoje, serão 40 bilhões de dólares por ano. Ou seja: 2% do PIB. Que vamos fazer com esse dinheiro?
Precisamos combinar. E podemos começar com uma premissa que deve ser consenso: o petróleo é nosso. Quem somos nós? A nação brasileira.
É só olhar para a lista dos grandes exportadores de petróleo para ver que só um deles, a Noruega, país muito diferente do nosso, é verdadeiramente rico e feliz. Os demais grandes exportadores geram uma riqueza financeira que não se irradia nem pela economia nem pela população e que alimenta gastos supérfluos, burocracias agigantadas e muita corrupção.
Corram a lista para ver onde não é assim. Onde a riqueza do petróleo gerou um surto de desenvolvimento que efetivamente transformou o país em uma potência rica e feliz?
Em síntese, temos que ter presente o fato de que o dinheiro do petróleo não necessariamente fará bem para a saúde da economia do país e pode desvirtuar o seu desenvolvimento, gerando, também aqui, os males que tem gerado em outras partes.
Os mecanismos perversos que afetam as exportações de petróleo são simples e conhecidos. Como já somos auto-suficientes em matéria de petróleo, o aumento da nossa produção será utilizado basicamente para a exportação. O valor da exportação adicional contribuirá para aumentar a cotação internacional do real, que ficará ainda mais sobrevalorizado. Em conseqüência, haverá a diminuição do preço das importações, o que colocará a nossa indústria sob pressão. Isso é o que acontece normalmente e, se nós não tomarmos as medidas necessárias para evitá-lo, é o que também acontecerá conosco.
Singularizei a Noruega porque esse país adotou um esquema alternativo para não deixar que o dinheiro produzido pelas exportações de petróleo se esvaia simplesmente ou, pior, acabe prejudicando o desenvolvimento da nação. O governo norueguês estabeleceu um fundo nacional por meio do qual reserva a renda gerada pelo petróleo para o desenvolvimento a longo prazo.
Em vez de fazer disparar o consumo e as importações a curto prazo (o que gera inflação, gastos supérfluos e desindustrialização), os noruegueses consideraram a renda do petróleo uma riqueza coletiva, pertencente à nação como um todo, e criaram mecanismos capazes de proteger o país das oscilações dos mercados internacionais e de lhe propiciar um desenvolvimento econômico e social sadio e sustentável.
A receita da exportação do petróleo foi canalizada para um fundo que se capitalizou rapidamente e já dispõe de mais de 200 bilhões de euros (mais de 300 bilhões de dólares ou mais de 500 bilhões de reais).
A gestão desse fundo se baseia em duas premissas principais: a) assegurar que uma parcela razoável da riqueza produzida pelo petróleo seja utilizada em proveito das gerações futuras; e b) não permitir que os recursos sejam utilizados de maneiras incompatíveis com a ética, com os interesses de longo prazo da nação e com a proteção do meio ambiente.
Os investimentos do fundo não são especulativos. Destinam-se a apoiar atividades produtivas e a elevar a qualidade de vida da população. Essa é a diferença fundamental entre a Noruega e os outros grandes exportadores de petróleo, em que o grosso do dinheiro vai para os bolsos de magnatas, perde-se em operações de curto prazo, é gasto em corrupção e alimenta privilégios, sem gerar um verdadeiro desenvolvimento econômico e social.
Podemos seguir o bom exemplo e ir pensando desde já na possibilidade de criar um fundo brasileiro, que, como os nossos dois países são muito diferentes, não tem que ser inteiramente igual ao norueguês.
Se decidirmos criar um Fundo do Petróleo, é fundamental que ele seja bem arquitetado, com regras claras e transparentes, com uma base ética sólida e com uma virtual proibição de distribuição de proventos a curto prazo. O Poder Executivo, o Poder Legislativo e a sociedade civil deverão dialogar muito a esse respeito.
O outro aspecto crucial, naturalmente, será a gestão do fundo. Felizmente, o Brasil já tem hoje o terceiro maior banco de desenvolvimento do mundo, o BNDES, cujas práticas de gestão são respeitadas por todos.



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JOSÉ VIEGAS FILHO, 65, é embaixador do Brasil na Espanha. Foi ministro da Defesa (2004-2005).

terça-feira, 29 de abril de 2008

Celso de Mello fala sobre o princípio da publicidade

O Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, paulista de Tatuí, é um dos maiores juristas do Brasil. Suas decisões no mais alto tribunal do país são verdadeiras lições de Direito Constitucional. Abaixo vai um trecho de uma decisão do doutro ministro sobre o princípio da publicidade, que deve reger os atos do governo numa república democrática:


A GESTÃO REPUBLICANA DO PODER E A PUBLI¬CIDADE DOS ATOS GOVERNAMENTAIS: UMA EXIGÊNCIA IMPOSTA PELA ORDEM DEMOCRÁTICA E PELO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

O tema ora veiculado nesta sede mandamental – alegada violação ao princípio constitucional da publicidade – reveste-se de indiscutível relevo jurídico, em face do que dispõe a própria Constituição da República.

Tenho salientado, em decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, que um dos vetores básicos que regem a gestão republicana do poder traduz-se no princípio constitucional da publicidade, que impõe transparência às atividades governamentais e aos atos de qualquer agente público, inclusive daqueles que exercem ou exerceram a Presidência da República.

No Estado Democrático de Direito, não se pode privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo compromete a própria legitimidade material do exercício do poder. A Constituição republicana de 1988 dessacralizou o segredo e expôs todos os agentes públicos a processos de fiscalização social, qualquer que seja o âmbito institucional (Legislativo, Executivo ou Judiciário) em que eles atuem ou tenham atuado.

Ninguém está acima da Constituição e das leis da República. Todos, sem exceção, são responsáveis perante a coletividade, notadamente quando se tratar da efetivação de gastos que envolvam e afetem a despesa pública. Esta é uma incontornável exigência de caráter ético-jurídico imposta pelo postulado da moralidade administrativa.

Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis, que desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da atividade pública. O direito ao governo honesto – nunca é demasiado reconhecê-lo - traduz uma prerrogativa insuprimível da cidadania.

O sistema democrático e o modelo republicano não admitem - nem podem tolerar - a existência de regimes de governo sem a correspondente noção de fiscalização e de responsabilidade. Nenhum membro de qualquer instituição da República, por isso mesmo, pode pretender-se excluído da crítica social ou do alcance do controle fiscalizador da coletividade e dos órgãos estatais dele incumbidos.

A imputação, a qualquer agente estatal, de atos que importem em transgressão às leis revela-se fato que assume, perante o corpo de cidadãos, a maior gravidade, a exigir, por isso mesmo, por efeito de imposição ética emanada de um dos dogmas essenciais da República, a plena apuração e o esclarecimento da verdade, tanto mais se se considerar que o Parlamento recebeu, dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes dos demais Poderes.

Não se poderá jamais ignorar que o princípio republicano consagra o dogma de que todos os agentes públicos – legisladores, magistrados e administradores – são responsáveis perante a lei e a Constituição, devendo expor-se, plenamente, às conseqüências que derivem de eventuais comportamentos ilícitos.

A submissão de todos à supremacia da Constituição e aos princípios que derivam da ética republicana representa o fator essencial de preservação da ordem democrática, por cuja integridade devemos todos velar, enquanto legisladores, enquanto magistrados ou enquanto membros do Poder Executivo.

Não foi por outro motivo que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar a extensão do princípio da moralidade - que domina e abrange todas as instâncias de poder -, proclamou que esse postulado, enquanto valor constitucional revestido de caráter ético-jurídico, condiciona a legitimidade e a validade de quaisquer atos estatais:

“A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado.
O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o compor¬tamento dos agentes e órgãos governamentais.”
(RTJ 182/525-526, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

É importante salientar, neste ponto, que o modelo de governo instaurado em nosso País, em 1964, mostrou-se fortemente estimulado pelo “perigoso fascínio do absoluto” (Pe. JOSEPH COMBLIN, “A Ideologia da Segurança Nacional - O Poder Militar na América Latina”, p. 225, 3ª ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), pois privilegiou e cultivou o sigilo, transformando-o em “praxis” governamental institucionalizada, ofendendo, frontalmente, desse modo, o princípio democrático.

Ao assim proceder, esse regime autoritário, que prevaleceu no Brasil durante largo período (1964-1985), apoiou a condução e a direção dos negócios de Estado em concepção teórica – de que resultou a formulação da doutrina de segurança nacional – que deu suporte a um sistema claramente inconvivente com a prática das liberdades públicas.

Desprezou-se, desse modo, como convém a regimes autocráticos, a advertência feita por NORBERTO BOBBIO, cuja lição magistral sobre o tema (“O Futuro da Democracia”, 1986, Paz e Terra) assinala – com especial ênfase – não haver, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.

Não constitui demasia rememorar, neste ponto, na linha da decisão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal proferiu no julgamento do MI 284/DF, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO (RTJ 139/712-732), que o novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucional a ser observado, inscrevendo-a, em face de sua alta significação, na declaração de direitos e garantias fundamentais que a Constituição da República reconhece e assegura aos cidadãos.

Na realidade, os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, como o Brasil, não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo - que tem, na transparência, a condição de legitimidade de seus próprios atos - sempre coincide com os tempos sombrios em que declinam as liberdades e os direitos dos cidadãos.

A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art.5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de BOBBIO (“op. cit.”, p. 86), como “um modelo ideal do governo público em público”.