segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Cientista político fala sobre o perigo do bonapartismo

Nesta entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, o cientista político Amaury de Souza fala do perigo do surgimento de um líder forte e autoritário, com grande apoio populuar (bonapartismo, cesarismo ou, na versão latino-americana, chavismo), no momento em que a classe política é desmoralizada por uma série de escândalos.

'Classe média precisa ir à luta contra bonapartismo'

O Senado aprofundou o fosso que separa a política da sociedade e isso pode abrir caminho para um governante forte, diz ele

Gabriel Manzano Filho

O fosso entre os políticos e a sociedade brasileira está aumentando de forma perigosa. A absolvição do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na quarta-feira, é mais um passo na direção da desmoralização do Congresso e, portanto, do fortalecimento do Executivo. Daí para a tentação do bonapartismo - um governo forte e pessoal, de algum líder com grande apoio popular - é um passo. E a classe média, a mais atingida pela crise, tem de se defender desse risco. “Ela precisa ir à luta contra o bonapartismo e buscar também salvação contra um modelo que está transformando sua renda em impostos”, diz o cientista político Amaury de Souza, diretor da MCM Consultoria, no Rio.

Mas o que preocupa na seqüência de escândalos como esse vivido por Renan “é que um dado fundamental não vem aparecendo: que a fonte da corrupção é o Executivo”, diz o professor. “Pois é o Executivo quem distribui cargos, libera emendas e contingencia o Orçamento.”

O Brasil melhorou muito nos últimos 15 anos, avalia Amaury de Souza, “mas não há percepção disso pela classe política”. Nesta entrevista ao Estado, ele faz uma aposta contra os que imaginam que o atual modelo de governo está “formando” uma nova classe média vindas de grupos de baixa renda. Para ele, esses grupos vão aderir rapidamente à geração de computadores e internet “e os valores atualmente defendidos pela classe média, estes sim é que se disseminarão pela chamada opinião popular”.

O que o sr. achou da decisão do Senado de absolver seu presidente?

Ela indica que o fosso entre os políticos e o resto da sociedade está aumentando de forma perigosa. Há um distanciamento que apareceu primeiro na Câmara, e agora no Senado. E para ele há várias causas. Elas vão desde o sistema eleitoral, que já distancia o eleitor do eleito, até uma certa inconsciência, no Congresso, quanto à mudança que já ocorreu na sociedade brasileira. Há uma classe média crescentemente insatisfeita, que vem mostrando isso pelos meios ao seu alcance, num sentimento de crescente indignação.

Mas essa indignação esbarra no sucesso econômico do governo e no enorme prestígio popular do presidente Lula.

A economia vai bem, mas não vai bem para a classe média. A forma como vem ocorrendo o crescimento brasileiro cobra um preço extorsivo da carga tributária. Paga-se como se vivêssemos na Alemanha e temos serviços públicos de Uganda. O governo coleta hoje 35% do PIB, gasta 40% e financia esse déficit com taxas estratosféricas de juros. Essa equação mostra que a economia não está bem para essa fatia de cidadãos.

Eles devem fazer passeatas, divulgar cartazes? Na prática, a classe média não está espremida entre ricos e pobres satisfeitos, cada um por seus motivos?

Acho que ela tem de buscar meios e se mobilizar. Com a internet você não depende de ir para a rua para criar fatores de pressão consideráveis. O que digo parece dramatizado mas é preciso dramatizar, sim. Essa parte da sociedade tem de organizar-se e buscar defesa contra o fato de sua renda disponível estar sendo totalmente transformada em impostos - os quais, por sua vez, vão gerar mais crescimento da máquina e mais corrupção. Hoje a questão da carga tributária é indissociável da questão da participação política. Ou a classe média se engaja politicamente ou logo vai trabalhar dez meses do ano para sustentar o governo.

Pelo que o sr. diz, o fosso acima mencionado é de ordem ética e econômica, não? Ele pode ser desfeito com eleições?

Eu tenho certo medo é de que esse fosso se torne intransponível. Isso me traz à memória uma observação do ex-deputado petista Paulo Delgado (MG): ele dizia que deputado não compra deputado, e hoje se fala de corrupção como se ela fosse restrita ao Congresso.

O que o sr. quer dizer com isso?

Que não é só Congresso. Que a fonte de corrupção é o Executivo. É ele que distribui cargos, para que seus aliados os usem para buscar financiamento das campanhas. É ele que libera emendas em troca de votos. É ele que contingencia o Orçamento, liberando gota a gota os recursos para assuntos de seu interesse. No entanto, em todos esses recentes escândalos, ele não aparece como parte interessada. Procura se descolar cada vez mais do restante do sistema político, caminhando para um bonapartismo de ocasião. Como se dissesse: “Eu pairo acima de toda essa podridão.”

O governo tem conseguido convencer a maioria do eleitorado disso.

É um convencimento parcial. Falta hoje o foco da corrupção no Executivo, dizer ao País que não pode existir corrupção apenas no Congresso. Se o Poder Executivo se põe acima de toda essa podridão, abre caminho para um poder muito ampliado, muito mais perigoso, mais arriscado para o País. Por isso, o que precisamos hoje é de uma mobilização popular para que o Congresso vote as reformas que estão sendo requeridas. Para que se faça a reforma política que interessa aos eleitores, que dê o poder a eles, não aos candidatos. Que faça os políticos caírem na real e não se isolarem do eleitor. E o primeiro passo para isso é o voto distrital.

Não há o risco de uma “opinião pública” mobilizar-se para pressionar o Congresso e despertar outras “opiniões” contrárias?

Sim, e o presidente Lula tem feito discursos diretamente para essa outra “opinião popular”. Mas nada que um recrudescimento da inflação não possa abalar. Veja, em qualquer lugar do mundo há uma enorme diferença na distribuição de informação, conhecimento e politização. Quando falo em opinião pública falo naquele segmento mais estreito, porém altamente atento, informado. Olhe como a população toda reagiu diante da decisão do Supremo Tribunal Federal de transformar em réus os 40 indiciados do mensalão. Há muito mais reservas de luta e de indignação do lado dos eleitores do que supõem o mundo político e o governo.

A questão ética é cara a essa fatia da sociedade mas tem sido “vendida”, por algumas lideranças, como um capricho de minorias. Dá para virar esse jogo?

A ética não tem hoje, no mundo político brasileiro, alguém para carregar sua bandeira. O PT, por exemplo, é uma coisa velha na política brasileira. O que ele fez na quarta-feira, para ajudar Renan, em nada aumenta a distância que ele já tinha do que pregava antes.

O sr. vê uma saída no curto prazo?

Mas o Brasil mudou muito nestes últimos 15 anos, e para melhor. A estrutura do Estado melhorou com Fernando Henrique. A política de redistribuição de Lula foi um sucesso. A escolaridade aumentou, o País exporta mais, vive uma revolução nas comunicações, já somos o quarto maior mercado mundial de computadores. A internet e o celular estão na vida de cada vez mais gente. Minha conclusão: não é das classes populares que virão os valores que vão prevalecer no futuro. Isso significaria a absorção da opinião pública pela popular. Não vai acontecer. Os valores hoje defendidos pela classe média, estes sim é que se disseminarão pela opinião popular.

Por enquanto, essa “nova” classe média parece não partilhar dos modelos da antiga, não?

Há um visível exagero na visão dessa “nova” classe. Há um aumento de consumo que é produzido em parte pela melhoria de níveis de renda, mas forçado por aumentos seguidos do salário mínimo e pela popularização do crédito. Essa fatia, que se identifica com a classe C, é participante, em larga medida, da economia informal. São pequenos comerciantes, autônomos, que têm suficiente dinamismo para fazer o melhor em uma situação que lhes é estruturalmente desfavorável. Se fossem incorporados ao mercado, os impostos os achatariam e o dinamismo acabaria. Se ela é apresentada como modelo da modernidade, precisamos saber que modernidade é essa.

São pessoas mais expostas ao clientelismo político?

Clientelismo é trocar voto por um par de sapatos. Hoje o problema maior é outro e clientelismo já me parece um termo antigo. O que temos no Brasil hoje são grandes grupos de interesses, encastelados na estrutura política e no serviço público. Corrupção não é clientelismo, é algo bem mais moderno e ambicioso.

sábado, 15 de setembro de 2007

Ministro Celso de Mello fala sobre o sigilo no Congresso

O ministro José Celso de Mello Filho, paulista de Tatuí, foi promotor de Justiça em São Paulo antes de ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal pelo presidente José Sarney, sendo hoje o membro mais antigo da corte. É um dos mais cultos juristas do país. Suas decisões no STF são verdadeiras aulas de Direito Constitucional e Ciência Política. Nesta entrevista, concedida ao jornal O Estado de São Paulo, ele comenta o voto secreto no Congresso Nacional, como aconteceu na última quarta-feira, em que, além do voto, a própria sessão do Senado foi cercada de segredo, o que possibilitou a vergonhosa absolvição do senador Renan Calheiros, sem que os eleitores pudessem saber como votaram seus representantes.

Em entrevista, Celso de Mello afirma que publicidade dos atos públicos é valor básico da democracia

“A exigência de publicidade representa um dos valores básicos sobre o qual se estrutura o regime democrático em nosso país”. Com essas palavras, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), sintetizou a decisão do Plenário do Supremo de referendar a liminar do ministro Ricardo Lewandowski no Mandado de Segurança (MS 26900), ocorrida ontem (12). Com a decisão, 13 deputados federais puderam acompanhar a sessão do Senado Federal, ocorrida também na tarde de ontem, em que foi rejeitado projeto do Conselho de Ética que pedia a cassação do mandato do senador Renan Calheiros (PMDB/AL), presidente daquela casa. A entrevista de Celso de Mello aconteceu no intervalo da sessão plenária do STF na tarde desta quinta-feira (13).

Publicidade

Para o ministro, é da essência da prática democrática a visibilidade do exercício do poder. “Não há no regime democrático possibilidade de se preservar ou de se cultuar o mistério”, resumiu Celso de Mello. A publicidade das deliberações estatais agiria como um fator de legitimação de todas as decisões que os órgãos do estado proferem. Ele enfatizou que o Poder Judiciário dá o exemplo, já que seus julgamentos são realizados sob permanente fiscalização da opinião pública, através dos meios de comunicação. A decisão do STF, referendando a liminar conferida pelo ministro Ricardo Lewandowski no MS 26900, resguardou o valor constitucional, “inerente ao próprio estado democrático de direito”, que é o requisito da publicidade.

Conhecedor profundo da história brasileira, o ministro lembrou que a questão do debate em torno da publicidade das sessões legislativas já se dava na Assembléia Geral Constituinte, em 1823. “Lá, então, já se debatia a questão do voto secreto, das sessões secretas no âmbito da Assembléia Geral, que era o equivalente imperial do Congresso Nacional Republicano”, explicou Celso de Mello.

Interferência no Poder Legislativo

Questionado sobre se teria havido interferência do Poder Judiciário em matéria de cunho interno do Legislativo, o ministro também recorreu à história para lembrar que o STF firmou, desde o final do século XIX, jurisprudência que pauta as relações institucionais entre o Poder Judiciário e os demais poderes da República. “Toda vez que se invocar alegação de ofensa a um preceito constitucional ou a uma garantia constitucional, estará presente a questão jurídica e afastada qualquer alegação de que o ato em si traduziria uma manifestação interna corporis, de caráter eminentemente político”, frisou.

O exercício de sua jurisdição constitucional pelo STF, nos casos em que se alega ofensa a qualquer prerrogativa constitucional, observa estritamente o princípio da divisão e separação de poderes, salientou. “Não há, portanto, e nem se poderia cogitar, de interferência indevida do STF na esfera institucional de outro poder”.

O ministro ainda recordou diversos casos em que senadores e deputados federais recorreram ao STF, com o uso de mandados de segurança, ocasiões em que o STF reconheceu a existência, no âmbito do parlamento, do direito das minorias, “direito que vinha sendo muitas vezes ignorado, não observado, e que o respeito foi restaurado pelas decisões do STF”.

Sobre esse assunto, Celso de Mello resumiu seu pensamento dizendo que “não há ofensa ao princípio da separação de poderes quando o STF faz restaurar uma prerrogativa constitucional alegadamente violada por ato emanado de qualquer órgão ou autoridade do estado”.

Sessão secreta

A votação secreta nos casos de cassação de mandatos é uma exigência constitucional que a decisão do STF, ao referendar a liminar do ministro Ricardo Lewandowski, preservou. Mas o ministro disse que o ideal seria que, à semelhança do que ocorre no âmbito do Poder Judiciário, em particular na esfera do STF, “as votações se processassem de maneira, clara, aberta e transparente”. Para o ministro, o cidadão tem o direito de saber como se comportam, como agem e como decidem não apenas os seus representantes políticos, mas todos os agentes do Estado, estejam eles atuando no âmbito do Poder Executivo, do Poder Legislativo, ou do Poder Judiciário.

O ministro ressaltou que para se afastar o caráter sigiloso da votação, que é algo excepcional, há a necessidade de uma reforma constitucional, “matéria que depende da apreciação soberana do Congresso Nacional”. Ele ressaltou, no entanto, que existem exemplos na própria Constituição que recomendam ao Congresso Nacional “que ele se abra, e se abra plenamente, de maneira absolutamente transparente ao escrutínio público, à fiscalização do corpo social. Não há razão para que se mantenha o sigilo do ato de votação”.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Resumo de Aula - 23

CP/TGE – AULA 23

IV – Estado e Governo

5. Sistemas Eleitorais. Definição: “conjunto de regras que define como em uma determinada eleição o eleitor pode fazer suas escolhas e como os votos são contabilizados para serem transformados em mandatos” (Jairo Nicolau). Objetivo: assegurar a autenticidade da representação. Sistema majoritário: só quem obtém maioria elege representantes. Conseqüência: bipartidarismo. Maioria simples e maioria absoluta (turno duplo). Sistema proporcional (Bélgica 1900): representação das minorias. O cálculo da representação proporcional. Lista aberta e fechada. Conseqüência: pluripartidarismo. Cláusula de barreira. Sistema distrital simples e distrital misto. Críticas e vantagens dos diversos sistemas. Os sistemas adotados no Brasil: eleições para a chefia dos Executivos federal, estaduais e municipais e para o Senado: majoritário (absoluto e simples); para a Câmara dos Deputados, as Assembléias Legislativas dos Estados e Câmara de Vereadores: proporcional, com lista aberta. A reforma política no Brasil.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, 101 a 103.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 17. Jairo Nicolau, Sistemas eleitorais, ed. FGV. Arend Lijphart, Modelos de democracia, ed. Civilização Brasileira.

Resumo de Aula - 22

CP/TGE – AULA 22

IV – Estado e Governo

4. O Sufrágio. Definição: direito público subjetivo (exercido na esfera pública para fins públicos) de participar das decisões políticas, votando ou sendo votado. O exercício da soberania e a necessidade de escolha de representantes. Sistemas de escolha: força, sorteio, eleição. Eleição: característica da democracia representativa. Sufrágio ativo e sufrágio passivo. Natureza do sufrágio: direito, função ou dever? Extensão do sufrágio: sufrágio restrito e sufrágio universal. Espécies de restrições ao sufrágio: nacionalidade, idade, sexo, condição econômica, grau de instrução, condição mental, condenação criminal, indignidade e engajamento militar. Restrições injustificáveis são incompatíveis com o sufrágio universal. Modo de exercício: sufrágio aberto ou secreto. O sufrágio múltiplo e o sufrágio com valor igual para todos (one man, one vote). Sufrágio direto e indireto. O sufrágio no Brasil: voto censitário, coronelismo, voto de cabresto, curral eleitoral, a Revolução de 30. As fraudes na Flórida na eleição de Bush.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 97 a 100.
Leitura complementar: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 16. Jairo Nicolau, História do voto no Brasil. Michael Moore, Stupid white men.

Resumo de Aula - 21

CP/TGE – AULA 21

IV – Estado e Governo

3. Representação Política – Partidos Políticos: Histórico: a tendência à formação de grupos políticos, o combate às facções (Rousseau, Revolução Francesa) e a aceitação a partir da Inglaterra (Oposição, Burke). Tories x Whigs, Jacobinos x Girondinos, Republicanos x Democratas. A “democracia de partidos”. Conceito: “associação de pessoas que, tendo a mesma concepção de vida sobre a forma ideal da sociedade e do Estado, se congrega para a conquista do poder político a fim de realizar um determinado programa” (Pinto Ferreira). Natureza: realidade sociológica e órgão do Estado (Kelsen). Classificação (Duverger): a) quanto à organização interna: partidos de quadros (liberalismo) e partidos de massas (socialismo, trabalhismo, o “aparelho”); b) quanto à organização externa ou ao número: partido único (socialismo, fascismo), bipartidarismo (Inglaterra, EUA) e pluripartidarismo (a influência do sistema eleitoral); c) quanto ao âmbito de atuação: partido de vocação universal, partidos nacionais, partidos regionais e partidos locais; d) Quanto à posição ideológica: esquerda, direita, cento-esquerda, centro-direita, extrema-esquerda, exterma-direita. Crítica aos partidos (A lei de Michels: oligarquização). A importância dos partidos para a democracia: são úteis, desde que sejam autênticos e preparem alternativas políticas (Dallari). Partidos políticos no Brasil: panorama histórico e situação atual. Outras formas de representação (profissional, corporativa, institucional).

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 84 a 87.
Leitura complementar: Paulo Bonavides, Ciência Política, Caps. 19 (item 5), 23, 24 e 25. Maurice Duverger, Os partidos políticos (ed. UNB). Norberto Bobbio, Dicionário de política, verbete “Partidos políticos”. Rogério Schimitt, Partidos políticos no Brasil (ed. Jorge Zahar).